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"Verba volant, scripta manent"
No instante em que o presidente Jair Bolsonaro divulga uma surpreendente carta à nação e os leitores se encontram divididos entre a frustração e o regozijo, é meu dever, enquanto colunista da Gazeta do Povo, vir a público para dizer:
1 Michel Temer é provavelmente o maior negociador da história do planeta e adjacências. Não sei o que a ONU está esperando para colocá-lo num cargo vitalício para lidar com absolutamente todos os conflitos mundiais. Aparentemente não há Talibã que resista ao ex-presidente.
2 Resta saber no que se baseia o poder de convencimento do ex-presidente Temer. Será uma capacidade extraterrena de argumentação? Ou será que Temer dispõe de insondáveis elementos de coerção e moedas de troca? Seja lá o que for, é inegável que o ex-presidente conseguiu algo até então impensável: fez o sempre beligerante Jair Bolsonaro bancar o adulto da história e dar o primeiro passo rumo ao diálogo pacificador. Agora a bola está com o STF. Vai que é tua, Xande!
3 Depois de sua carta de pacificação, Bolsonaro terá de lidar com um “exército de frustrados”. São pessoas que saíram às ruas no dia 7 de setembro, que enfrentaram a hostilidade de parentes e amigos, que aguentaram serem xingados de fascistas, negacionistas e bolsominions. Ou seja, pessoas que, supostamente em nome da liberdade ou de uma versão muito particular de patriotismo, sacrificaram alguma coisa para expressar apoio ao presidente. Muitas dessas pessoas se sentem traídas e é preciso compreender esse sentimento.
4 São também pessoas (não todas!) que queriam um golpe de Estado. Não porque sejam más, autoritárias ou ustramente perversas, e sim porque perderam por completo a esperança na convivência entre os desiguais por meio do sistema atual. Elas acreditam que suas vidas estão ameaçadas se “o outro lado” sair vencedor. Essas pessoas devem ser respeitadas e compreendidas, nunca hostilizadas.
5 Mais do que os apoiadores de Jair Bolsonaro, os petistas (e toda a esquerda) são os mais furiosos com o gesto de pacificação do presidente. A esquerda sabe que precisa de um golpe e da beligerância constante de Bolsonaro para sobreviver.
6 Moralmente (e partindo do pressuposto de sua sinceridade, claro), a carta ou declaração de Bolsonaro/Temer é um acerto com “a” maiúsculo e todo trabalhado no gótico. O problema é que vivemos tempos maquiavélicos e consequencialistas, nos quais a ixperteza se sobrepõe ao que é moral. Muita gente esquece que o derrotado moral é preferível ao vitorioso imoral.
7 As reações negativas à declaração de Bolsonaro só mostram que esse papo todo de “defesa da democracia” é uma enorme de uma balela. Fosse essa a realidade, estariam todos agora celebrando o gesto quase salomônico do presidente. O que se vê, contudo, é frustração de um lado e regozijo diante da “fraqueza presidencial” de outro.
8 Novamente, a palavra para compreender a situação é “consequencialismo”. Ela se refere a uma filosofia caracterizada pela capacidade de manusear "princípios maleáveis" a fim de se atingir objetivos amorais, quando não imorais. O consequencialismo é um fruto do nosso tempo, que ignora a transcendência e se atém apenas ao que é aparente e imediato.
9 Sem querer, a declaração de Bolsonaro revela que estamos cercados por esses degenerados consequencialistas, abutres do caos e que nele se regozijam. Vale dar uma olhada na reação da esquerda ao gesto pacificador do presidente. O tom é de humilhação, quando não de desconfiança. Eles perguntam quais as reais intenções de Bolsonaro porque estão acostumados a viver camuflando suas reais intenções.
10 Décadas de doutrinação deram nisso: há quem confunda “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, com o Evangelho.