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Polzonoff

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Caso Flordelis: a religião como disfarce para um abismo de sexo, narcisismo e idolatria

O caso Flordelis não tem nada a ver com religião. Ele é apenas mais um exemplo de narcisistas satisfazendo desejos mundanos à custa da alma alheia. (Foto: Fernando Frazão/ Fotos Públicas)

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O caso bizarro da deputada federal, cantora e pastora Flordelis (PSD-RJ) atiçou o preconceito contra os evangélicos. O que é até compreensível numa era em que se busca criar associações que demonizem aqueles com os quais antagonizamos. Para alguém que já nutre ojeriza pelos crentes (não é o meu caso), nada melhor do que uma história do mundo cão para provar seu argumento de que se trata de um grupo facilmente manipulável e inerentemente hipócrita.

Os detalhes dessa história você, leitor, provavelmente já conhece. Flordelis, a mulher mais votada do Rio de Janeiro nas últimas eleições legislativas, foi denunciada pelo Ministério Público pela morte do marido, o também pastor Anderson do Carmo. A história envolve adoções às dúzias, arsênico, muito sexo e até uma visão muito particular sobre o divórcio, que aos olhos de Deus seria mais condenável do que um homicídio.

A questão do preconceito aos evangélicos evocarei num momento mais oportuno. Neste momento, vale refletir um pouco sobre o porquê de uma pessoa evidentemente perturbada encontrar tantos seguidores, fãs e eleitores. Porque, no fundo, o que une Flordelis, o médium João de Deus, o padre Robson e o também pastor Everaldo não é o Cristianismo professado, mas não praticado; o que os une são níveis estratosféricos de narcisismo e um apego bastante evidente ao prazer terreno, na forma de sexo, dinheiro ou poder.

São dois os ingredientes que implicam a atração que essas pessoas despertam em seus rebanhos. O primeiro deles é o carisma. É no terreno da sedução que age o narcisista. Ele fala o que as pessoas querem ouvir, se preocupa com os problemas alheios e, usando a religião como instrumento, toma para si a missão de curar os fiéis de quaisquer males.

O objetivo do narcisista é ser de alguma forma idolatrado. E para alcançar esse objetivo não existe caminho melhor do que a religião ou a política. Por que não juntar as duas coisas, então? É o que geralmente acontece com esses falsos profetas caídos em desgraça. Munidos da certeza narcisista de serem ungidos, eles se põem a satisfazer seus desejos mundanos empunhando a cruz e todo um discurso de boas intenções que recitam numa voz sedutora. Às vezes eles até cantam, como no caso de Flordelis.

O que não quer dizer, em absoluto, que todos os religiosos envolvidos com política sejam uma Flordelis em potencial. Essa “culpa por associação”, aliás, é um dos instrumentos preferidos daqueles que tentam transformar um caso escabroso como o de Flordelis num símbolo de “tudo o que há de errado” com o mundo dos evangélicos. O mesmo serve para João de Deus e os espíritas e padre Robson e os católicos.

“Desesperavam de fé sem virtude”

Há uma passagem muito vívida em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, na qual Riobaldo conta a história de uma moça que desistiu de comer e passou a viver bebendo apenas três gotas de água benta por dia. De repente, ao redor dela começam a ocorrer milagres. E a palavra se espalha e de toda a região vêm pessoas atrás da milagreira.

Depois de dizer que o nojo que se sente dos desvalidos é uma forma que o diabo inventou para evitar a caridade (e você aí achando que Guimarães Rosa era só invencionice para tarados em literatura, hein!), Riobaldo se sai com um belo diagnóstico do que leva as pessoas a buscarem o discurso sedutor dos falsos profetas. “E aquela gente gritava, exigiam saúde expedita, rezavam alto, discutiam uns com os outros, desesperavam de fé sem virtude – requeriam era sarar, não desejavam Céu nenhum”.

Eis aí uma explicação belíssima para o poder de gente como Flordelis, João de Deus e padre Robson. Mas não só. O diagnóstico de Riobaldo se aplica também aos muitos profetas seculares do Estado transformado em religião. Afinal, é também a cura (imediata e palpável) para seus males sociais o que buscam aqueles que recorrem aos políticos-divindades. A cura, e não redenção nenhuma.

Sendo que a função da religião (e nunca do Estado) é justamente a de salvar o homem dessa loucura inata que a fama, o poder e o dinheiro só alimentam, dando origem a monstrengos morais que ocupam inadvertidamente púlpitos e altares por aí. Ou, como diz Guimarães Rosa com toda a sofisticação de Riobaldo: “(...) todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura”.

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