Nunca mais vou escrever sobre aquela ideologia cuja crítica, por mais respeitosa que seja, pode ser considerada qualquercoisafóbica. Nunca mais vou escrever sobre o sistema eleitoral brasileiro, no qual sou obrigado a confiar com a mansidão de um boi indo para o abate. Nunca mais vou escrever sobre os gordos, apesar de ter lugar de fala. E daqui a pouco, por conta da estratégia da “censura por insegurança” imposta pelos tiranetes progressistas, imagino que só a muito custo conseguirei tratar de outros assuntos rotineiramente abordados neste espaço, como as mesóclises, a Catota e a minha adorável mulher.
Não sou especialista no assunto, por isso cometerei aqui a ousadia de uma afirmação categórica: a tal da censura por insegurança é uma inovação das ditaduras de vanguarda. Isto é, aquelas que se identificam como democracia. Ela funciona por meio da sanção a leis com termos vagos, na teoria incapazes de fazerem mal a uma mosquinha, mas na prática suficientes para impor o silêncio receoso. A censura por insegurança cria um ambiente de medo. De insegurança – dã.
A genialidade diabólica do negócio consiste em proibir de fato sem jamais usar o verbo “proibir” e seus sinônimos. Daí a covardia. Agora mesmo, estou proibido de escrever qualquer coisa sobre a ideologia impronunciável. Mas o que me impede, veja só, não é uma proibição explícita, um carimbão de JÁ DISSE QUE NÃO PODE NÃO PODE NÃO PODE numa página qualquer do Código Penal. O que me impede é a amplíssima liberdade de interpretação de uma ou mais leis que mais parecem conselhos de uma mãe descompensada. Olha, Zezinho, poder você pode. Pode falar o que quiser. Artigo 5º e tal. Mas se o vizinho reclamar e me pegar num dia ruim, você vai preso!
Lembrando que os novos crimes de opinião são sempre inafiançáveis e imprescritíveis. Um exagero que contribui não só para a sensação de estranhamento, de que há algo sobrando ou faltando nessa transdemocracia aí. (Ainda posso usar o prefixo ou terei de abolir também palavras como “transporte”, “transbordar”, “transferência” e o meu preferido, “transeunte”? Afinal, vai que o vizinho reclama e pega a mãe num dia ruim...). A censura por insegurança e a severidade da pena contribuem também para – como é que eu vou dizer? – o fomento de crises pessoais.
Prudência
Passei as últimas semanas conversando com juristas, teólogos (obrigado, Giovani Domiciano Formenton!) e padres. A dúvida que me assolava e ainda me assola um pouquinho não é das mais simples: em que momento a prudência - necessária em tempos de insegurança - se transforma em algo pior, como omissão ou covardia? Ainda mais quando se trata de uma ou mais leis que, a meu ver, protegem conceitos e morais que considero danosos e ofensivos a Deus.
Em outras palavras, eu que tendo a pecar pela impetuosidade e errar pelo confronto algo zombeteiro, estava me sentindo omisso e covarde. Me sentia impelido a provocar, na esperança infantiloide de que minhas palavras fizessem alguma diferença. Me sentia obrigado ao heroísmo estéril e ao martírio que não me veste bem.
Salvam-me as palavras do filósofo Josef Pieper sobre a prudência no livro “Virtudes Fundamentais”. “A primazia da prudência significa, em primeiro lugar, a orientação do querer e do agir para a verdade. Mas significa, por fim, a orientação do querer e do agir para a realidade objetiva. O bem é antes prudente; mas o prudente é o que está de acordo com a realidade”, escreve Pieper. E a realidade é que suscetibilidades foram criminalizadas, o outro lado detém a força e não é hora para provocações.
Prudência, portanto, não é deixar de agir, e sim agir por outros meios que não o confronto direto – sobretudo quando se está em desvantagem. Para isso, aliás, existe a imaginação que, ao longo dos séculos, sempre soube contornar censuras de todos os tipos. Uma metáfora aqui, uma passado inventado acolá. Às vezes uma história futurista, outras vezes o aparente nada-com-nada que é mais-que-alguma-coisa. Até que, em algum momento, a lei natural volte a se impor sobre a moralidade artificial progressista.
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