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Não, não ficou faltando nada depois do sinal de dois-pontos no título. Escrevi assim de propósito. Para você ficar curioso e vir descobrir comigo, por meio desta análise semiótica, o que o ministro Luís Roberto Barroso, ninguém menos do que o presidente do STF!, confessou ao aproveitar que estava em Londres, curtindo o bem-bom, para declarar um amor envergonhado ao som do clássico “Evidências”. Aquele que todo chato ouve e canta ironicamente. Dizem.
A resposta está na análise fria, detida e científica da letra da música, que não foi composta por Chitãozinho & Xororó, como muita gente pensa, e sim por Paulo Sergio Valle e José Augusto – e eles ficam furiosos quando não citam os nomes deles. “Evidências”, talvez você não saiba porque sempre esteve ocupado demais tentando alcançar as notas mais altas, conta a história de um homem que não aceita os próprios sentimentos. Ele ama, mas não enxerga. Porque não quer enxergar. Ele se recusa, apesar das... evidências.
E para o caso de você estar num mau dia, se perguntando agora por que me dou ao trabalho (e risco!) de escrever sobre um acontecimento privado tornado público pela vaidade de algum dos presentes, esclareço: ora, porque quem canta é não apenas um ministro do STF que a-do-ra um holofote. Quem canta é o presidente do STF! Alguém cujas preferências estéticas são, sim, de interesse público, uma vez que refletem uma visão de mundo hoje imposta a nós, reles mortais, por um inegável e revoltante ativismo jurídico.
(E também para você ficar com a música na cabeça pelo resto do dia).
Mas a verdade...
No vídeo de 43 segundos (que você já deve ter visto, mas se não viu ainda pode ver aqui), Barroso aparece cercado por jovens felizes, alguns com copos de cerveja na mão e embriagados pela oportunidade de estarem assim tão perto e tão à vontade com o homem que personifica toda a decadência & cafonice do Judiciário. Num coro de frangos de borracha, eles aparecem entoando justamente o ponto da virada de “Evidências”, quando o eu-lírico finalmente assume.
Mas a verdade
É que eu sou louco por você
E tenho medo de pensar em te perder
Eu preciso aceitar que não dá mais
Pra separar as nossas vidas
Pedindo desde já perdão pela análise semiótica apressada, aí está a confissão de que falo no comecinho neste texto. Aliás, essa é uma explicação possível para o sucesso estrondoso da música. Ninguém aguenta esconder a verdade por tanto tempo e chega uma hora que todo ser humano, até o Barroso, precisa cantar a verdade a plenos pulmões: (mas) a verdade é que!...
Mas a verdade é que o Barroso é louco e deslumbrado pelo poder. Pelo autoritarismo esclarecido. Pela democracia na marra. E até pela companhia dos jovens de uma elite cuja noção de sucesso já foi devidamente corrompida para acomodar esse tipo de postura. Mais do que isso, a verdade é que Barroso morre de medo de um dia o Pacheco ou algum outro senador acordar e ele perder a empáfia. Parece que Barroso precisa mesmo aceitar que não dá mais: é o poder que dá sentido à sua vida vazia de propósito.
Refrão
E aí vem o refrão. É aquela hora em que todo mundo respira fundo e se esbalda de confessar o amor que, se é envergonhado, deve haver algum motivo para isso. Talvez seja um amor antiético. Um amor ilegal? Um amor por interesse? Um amor consequencialista? Enfim, é um amor que deve ir contra algum princípio – para quem tem princípios.
No vídeo, antes do fatídico “e nessa loucura”, um dos jovens estudantes presentes ao deprimente espetáculo parece comandar uma multidão e exorta a plateia inexistente: “Vamos, Brasil, todo mundo”. Vamos, ué. Mas vamos fazer o quê? Cuidado para não ser acusado de incitação ao golpe, hein!
E nessa loucura de dizer que não te quero
Vou negando as aparências
Disfarçando as evidências
Mas pra que viver fingindo
Se eu não posso enganar meu coração?
Eu sei que te amo!
Viu? É tudo fingimento. Mais do que isso, essa coisa de negar as aparências e de disfarçar as evidências de que vivemos num regime autoritário que você pode ou não chamar de ditadura, dependendo do humor e da coragem, é apenas uma estratégia para Barroso e os seus se convencerem de que continuam todos mui democráticos. Essa é a loucura que a estrofe confessa logo no começo e que a gente reconhece há tempos.
Tudo para culminar na escandalosa declaração de amor que, na melhor das hipóteses, é para si mesmo e para um ego tão tão tão agigantado que amanhã ou depois é capaz de aparecer por aí nos acusando de gordofobia. Na pior, é para aqueles que viram no aparelhamento do Judiciário a oportunidade de se manterem no poder. Para aqueles que, com paciência, e de um em um, criaram no Brasil uma suprema corte que tende perigosamente para um dos espectros políticos.
Chega de mentiras!
A música continua, mas o vídeo termina por aí. Uma pena. Porque sem a segunda parte da música nos privaram do registro do ministro Barroso, o presidente do Supremo Tribunal Federal!, implorando o famoso “chega de mentiras!” para si mesmo. Renderia bons recortes para serem usados todas as vezes em que o STF tomasse uma de suas rotineiras decisões mentirosamente democráticas. Ou seriam democraticamente mentirosas? Já nem sei mais.
Se bem que é melhor assim. Do contrário, corríamos o risco de ter de aguentar o desafinado (em vários sentidos) ministro Luís Roberto Barroso usando o recorte em sua cruzada pelo fim do ódio nas redes... Não! Chega de mentiras!, em sua cruzada pela legitimação jurídica da censura a toda e qualquer ideia remotamente associada ao bolsonarismo, conservadorismo, direita ou seja lá qual for o inimigo da vez.