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Não aprendo. Assisto a um filme com Tom Hanks e, numa cena especialmente insossa, me pego imaginando um chopinho com o ator. Tom Hanks chega sozinho e, no bar, ninguém o reconhece. Ou, se reconhece, faz que não – ocupados que estão em falar sobre o tempo e a eterna promessa de neve em Curitiba. E ele se senta e começamos a discutir religião, política e futebol. E rimos de nossas opiniões que não mudam nada, mas, ah, tão divertidos os trocadilhos!
Na minha imaginação, e só porque quero, estamos no Stuart. O garçom vai logo servindo o chope e uma porção de testículos de touro. De repente, começa a tradicional rifa de porções do bar. “Vai correr! Vai correr!”, grita o garçom. Eu e Hanquinho compramos as rifas. Ele o número 3 e eu o 17. Perdemos os dois. Brindamos à derrota. Pedimos uma porção de lambari frito.
Nada poderia ser mais distante da realidade. Nem que seja da realidade imaginada, por assim dizer. E isso não tem a ver com o fato de Tom Hanks ser uma supercelebridade e eu ser eu imaginando coisas. Diz minha experiência que os homens famosos (mas não necessariamente notáveis) são insuportavelmente desinteressantes quando diante de um estranho. Por mais curioso e sincero que esse estranho seja.
Lembro-me, por exemplo, de um jantar-entrevista que tive há muitos anos com um escritor cuja sensação de autoimportância era inversamente proporcional à quantidade de livros por ele vendidos. Primeiro, duas semanas de negociação com assessores de imprensa enfadados. Daí a escolha do local. Depois o jantar em si, marcado por monossílabos de quem não queria se comprometer nem nunca, jamais, se mostrar vulnerável – o que, convenhamos, é bastante esquisito para um escritor.
O que aconteceu aos nossos homens públicos? Talvez abdicar da própria natureza, da tridimensionalidade, das incongruências e arestas seja o preço que eles pagam por serem públicos. Por se transformarem, não!, se reduzirem a personagens dignos de admiração ou rejeição alheia. Ou talvez eles se vejam mesmo como semideuses incapazes de comungar na pequenez dos mortais.
Penso aqui no efeito que esse distanciamento causa no homem comum. A celebridade, seja ela do esporte, da cultura ou da política, de repente se transforma num objetivo inalcançável – e por isso mesmo desejável. Mas por que desejar ser um receptáculo vazio, admirado ou não por características grosseiramente pintadas por um diretor de arte qualquer? A lógica me escapa.
Mas não a consequência. Hoje nos sentimos cada vez menos identificados com as celebridades que por algum motivo dizemos admirar. Como se as lutas e os triunfos delas fizessem parte de um universo distante, sem relação com o nosso. O amor que o cantor sertanejo canta não é o amor que se sente na vida real. É um amor robótico, uma palavra esvaziada de sentido, duas notas musicais imersas num caldo melódico frio.
O mesmo serve para as celebridades políticas, de cuja sinceridade desconfiamos porque conseguimos ver nessas pessoas o militante ou candidato, mas nunca o ser humano emocionalmente engajado com a causa – seja ela qual for. A gente pode até se enganar e se convencer de que, por trás dos libelos apaixonados, há um ser humano com uma história interessantíssima que o pôs no caminho certo. Mas no fundo sabemos que o que há ali é personagem, cenário e narrativa ideológica.
Queria tomar um chopinho, por exemplo, com Rodrigo Maia. Ou com Sergio Moro. Ou com um ministro do Supremo. Ou até mesmo com um deputado do baixo clero. Queria saber se eles mastigam com a boca aberta. Queria avisar que o senhor está com um pedacinho de alface no dente, ministro. Queria ouvi-los contando suas memórias tolas de infância e suas tolices memoráveis de adolescente. Queria vê-los engolir com um chope a angústia de não ter a menor ideia do que estão fazendo.
Mas, repetindo o que escrevi no primeiro parágrafo: não aprendo. Muito mais provável é que Rodrigo Maia ficasse repetindo platitudes e Sergio Moro ficasse fazendo referências às muitas leis da vigilância sanitária que o bar estaria descumprindo. E Tom Hanks. Bom, tenho o Hanquinho em alta conta – não que isso faça diferença para ele. Então prefiro imaginá-lo como agora: virando amigo de infância também do Altair e do Tavares. Que, da mesa ao lado, acumulam vitórias sucessivas na rifa do Stuart. Por sinal, como é que se fala “xunxo” em inglês?