Lembro-me de chorar no final de “Os Trapalhões e O Mágico de Oróz”. O ano era 1984 e o cinema era o Lido. Chorei aquele choro envergonhado, que dói na garganta e queima as bochechas. Ao meu lado, a empregada/babá ria e me xingava de “chorão” e (insulto dos insultos) “sensível”. Hoje sei que sou as duas coisas e acho até legal. Tragam-me os lenços e lençóis! Mas na época fiquei com raiva.
Foi uma infância de vários choros marcantes envolvendo filmes e capítulos finais de novela, a minha. É que eu achava bonito os problemas todos resolvidos, os heróis exaltados e os vilões castigados. Sem falar no elenco todo reunido, escancarando para a gente que tudo não passava de fantasia. E nas tardes, depois da escola, sempre havia a Lassie para me desidratar. É por causa daquela cadelinha linda, aliás, que hoje em dia choro até quando matam o King Kong.
Toque o berrante, seu moço!
Outro filme de choro memorável, daqueles de soluçar: “O Menino da Porteira”, o original, com Sérgio Reis. Esse eu assisti em fita VHS, numa televisãozinha de 14 polegadas, sentado no chão acarpetado e chupando laranja. Chorei tanto que, pela primeira vez, achei que pudesse ter algo de errado comigo. Também chorei no final de “Esqueceram de Mim” e “Um Tira no Jardim de Infância”. Contrariando as expectativas, em “E.T.” não chorei.
Aí veio a adolescência – e nada mudou. Continuei chorão e envergonhado. Ainda mais depois de assistir a “Ghost” e, por causa da minha sensibilidade exagerada, perder a oportunidade de beijar a Carolina. “Ele é emotivo demais”, ouvi certa vez minha mãe dizendo e, sem saber se era um problema ou até uma doença, achei melhor começar a ir ao cinema sozinho. Para poder continuar chorando em paz. Nessa época também comecei a escrever poesia. Mas essa é outra história.
Non tornare più!
Em pouco mais de um ano, entre dezembro de 1993 e março de 1995, tive as experiências mais traumáticas – e patéticas – em se tratando de choro no cinema. “Filadélfia” no Cine Lido. “A Lista de Schindler” no Cine Condor. “Forrest Gump” também no Cine Condor. E “Um Sonho de Liberdade” no Cine Itália. Em ao menos dois deles, “A Lista...” e “FG”, passei vergonha. Pô, quem não se emociona com os passarinhos passando atrás de Forrest Gump depois de ele depositar a carta do filho no túmulo da esposa morta? Se você é desses, sinto ter de lhe informar: você não tem coração.
E “Cinema Paradiso”? Meu Deus! Estava me esquecendo de “Cinema Paradiso”. Houve uma época em que eu batia no peito e dizia com orgulho: “Assisti a ‘Cinema Paradiso’ vinte vezes – e chorei em todas elas”. Depois perdi a conta, mas continuei me submetendo anualmente ao ritual masô de assistir a “Cinema Paradiso” e tentar resistir ao choro. Sem sucesso, sempre sem sucesso. E pudera: eu morava no exílio e aquele diálogo do “Non tornare più” me destruía. Aliás, me destrói mesmo depois de ter voltado à cidade natal.
Vocês, insensíveis
Adulto, continuei chorando. Mas sem passar tanta vergonha. O filme que marcou essa transição do chorão envergonhado para o chorão, senão orgulhoso, resignado com sua emotividade exagerada foi “Simplesmente Amor”. Sabe a cena do menino correndo atrás da menina no aeroporto? Então. Nunca vou me esquecer das luzes do cinema (Barra Shopping) se acendendo e a plateia inteira me olhando com uma mistura de deboche e preocupação.
Alguma coisa também mudou depois que, num cinema de Nova York, assisti a “Reine Sobre Mim”. Chorei, solucei, perdi o fôlego – o combo todo. Aí as luzes se acenderam e vi que o cinema todo estava no mesmo estado lastimável que eu: os olhos inchados e vermelhos, o nariz escorrendo e a sensação de ter sido atropelado por um trem emocional. Foi quando percebi que errados são vocês, que não choram. Vocês, os insensíveis. Vocês, os emotivos demenos.
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