A anomalia magnética sobre o Brasil: uma explicação para todos os males do país.| Foto: Reprodução/ Twitter
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Caro leitor,

Já faz algum tempo que venho acompanhando essa tal de anomalia magnética que existe sobre o Brasil, aparentemente deitada num berço esplêndido de mistério. É que talvez você não tenha percebido, mas sou meio nerd e gosto de tudo o que a ciência não sabe explicar direito. O mistério me fascina e nada me diverte mais do que ver as pessoas inventando as mais disparatadas teorias para algo que não entendem. Que ninguém entende.

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Quero dizer, me divirto até certo ponto. Porque, se você parar para pensar (ou mesmo que você pense e continue andando, lavando a louça, correndo na esteira ou lendo este texto), toda teoria da conspiração é uma triste manifestação do nosso orgulho. A teoria da conspiração é a manifestação mais clara da prazerosa sensação de que todo mundo é burro, menos eu. Ou, no caso, você.

Com a enchente no Rio Grande do Sul, a anomalia magnética ganhou a boca do povo. Simplesmente porque é uma explicação mais satisfatória do que o acaso ou a negligência ou um incompreensível “algoritmo climático”. Outro dia fui ao jogo do Coxa e, enquanto saboreava um pão com bolinho à espera de mais um vexame do time, fiquei escutando o papo atrás de mim. O assunto era, como não poderia deixar de ser, a anomalia magnética e, antes de a bola rolar, aprendi que o fenômeno é uma invenção chinesa, uma arma ambiental para destruir o agronegócio brasileiro e para facilitar a compra das terras férteis nacionais por estrangeiros.

“Só não vê quem não quer”, disse o sujeito e pareceu até um discurso todo ensaiadinho, porque assim que ele concluiu a dissertação oral sobre a anomalia magnética o juiz apitou e o jogo começou. Pareceu telepatia. Vai ver o cara era reptiliano e, por falar nisso, o Coxa ganhou de três a zero. Coincidência?

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Karma complicado

Nos vários Ubers (úberes? fica estranho) que peguei ao longo da semana, coisa parecida. A anomalia magnética explicava tudo, do veranico outonal em Curitiba ao aumento nos casos de câncer no intestino, passando por fenômenos climáticos extremos e culminando na teoria mais interessante até agora. Uma teoria que, na mão de um escritor talentoso, talvez fizesse algum sucesso: a anomalia magnética explica porque Brasília reúne tanta gente “com um karma complicado” – para usar a expressão do motorista.

Se entendi direito, e duvido que tenha entendido, essa teoria tem a ver com a atividade eletromagnética do Planalto Central, que “historicamente” atrai OVNIs de todos os cantos do Universo (que eu nem sabia que tinha canto, mas tudo bem). Tem a ver também com o fato de Juscelino Kubitschek ter sido um maçom que construiu Brasília à semelhança de uma cidade do Egito Antigo. Tem a ver com a concentração de poderosos cristais no subsolo do cerrado. Por fim, tem a ver com “os íons e os prótons” dentro do DNA de cada um de nós.

“É por isso que o Brasil tá do jeito que tá. Tudo o que eles decidem em Brasília tem influência disso aí”, concluiu o motorista/sábio gnóstico & hermético. E eu fiquei estranhamente feliz, sabe? Porque por um segundinho me permiti acreditar que a anomalia magnética era a explicação definitiva (ainda que complexa demais para este cerebrozinho velho e cansado aqui) para tudo de ruim que acontece no nosso país.

Mas a alegria durou pouco. Porque logo lembrei que acredito em livre-arbítrio. Uma coisa leva a outra e, quando percebi, estava citando Chesterton, que dizia que “quem não acredita em Deus acredita em qualquer coisa”. Digo, falei só por falar. Me escapuliu. Coisa e tal. Mas acho que o motorista do Uber não gostou muito e se por acaso ele estiver lendo esta carta, ficam registradas aqui as minhas desculpas.

Arma chinesa

Agora vou me despedir, mas, antes, só um minutinho porque o telefone está tocando. (...) Desculpe a demora. Era o meu pai querendo saber o que é essa tal de anomalia magnética. Tentei, mas não soube explicar direito, então ficou sendo uma mistura de arma chinesa, buraco na camada de ozônio e o velho e bom azar de viver no Brasil. Aliás, dizem que é assim que as fake news nascem. Será?

Como andaram reclamando que escrevo demais, está frio e é feriado, fico por aqui. Aquele abraço do
Paulo.

[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do primeiro parágrafo, tem um campo para isso].