É isso mesmo que você leu no título, arqueólogo do futuro. Ei, estou falando com você aí do Brasil de 3023. Você mesmo que agora fuça nos empoeirados arquivos digitais deste meu presente que lhe soa como um remoto e estranhíssimo passado. Uma capivara foi o assunto que, ao longo de uma semana das muitas que nos damos ao luxo de desperdiçar nestes tempos insanos, uniu o país desunido na luta por algo remotamente parecido com bom senso.
Foi assim. Um homem chamado Agenor Bruce Tupinambá adotou uma capivara depois que a mãe do bichinho virou churrasco de garimpeiro ou almoço de sucuri. Coisa comum por aquelas bandas. Mas eis que, em dado momento, o diabinho soprou no ouvido do Agenor o canto da vaidade e foi aí que o animal deixou de ser apenas a Filó para se tornar A Filó do Agenor. E o Agenor deixou de ser Tupinambá para virar influencer – que é como chamamos os flautistas de Hamelin hoje em dia.
A felicidade simplória do sujeito idem (e do animal, se é que faz sentido falar na “felicidade” de uma capivara) chamou a atenção, ou melhor, sejamos francos, despertou a inveja de uma militante cujo nome não vou mencionar. Movida pelo espírito de Caim, a tal não hesitou em acionar todo o aparato do Estado – até um avião! – para tirar a Filó-do-Agenor do Agenor.
Neste momento prevejo que você aí no futuro esteja se perguntando “como assim?! por quê?!”. Foram as perguntas que me fiz também ao saber do caso. Parece que o grande crime do Agenor, que tem sobrenome de índio mas não usou o Tupinambá em sua legítima defesa contra os fascistas ambientais, foi ganhar uns trocados exibindo vídeos cuticuti de si mesmo e da capivara. Ou seja, deixou-se levar pelo canto da vaidade (quem nunca?), o que acabou atraindo os abutres da inveja privada e estatal.
Espírito da lei
Em poucos dias o estrago estava feito. O IBAMA multou o Agenor por ter feito vídeos fofinhos com um animal silvestre, exigiu que ele tirasse o material do ar e, não satisfeito, confiscou a capivara, que foi tirada de avião (!) do seu habitat natural e mandada para uma espécie de ecogulag onde supostamente seria mais bem tratada pelo Povo do Jaleco Branco – isso até virar almoço de jacaré ou onça.
Por fim, um juiz percebeu o tamanho da burrada e, fiel ao espírito de uma lei feita para impedir que um novo-rico de Moema tenha uma capivara de estimação, e não para que um ribeirinho cuidasse de um capincho, mandou que o roedor gigante fosse devolvido ao Agenor. Resta saber apenas se o animal devolvido foi a capivara ou uma capivara?
Contra o Agenor e sua capivara ficaram apenas aqueles muitos que acreditam que a realidade deve se submeter à lei, e não o contrário; os que não se furtam a atirar a primeira pedra no ribeirinho seduzido pelo amor falso das redes sociais; e a militante cujo nome não vou mencionar. Ah, sim! E os fascistas ambientais que defendem que o Estado se intrometa em tudo, absolutamente tudo, em nome de uma causa abstrata qualquer. Ou seja, só os canalhas.
O caso da capivara Filó ilustra bem o caos que pode nascer do ventre de uma sociedade que abdica da misericórdia mais elementar para, em nome de uma ideia pervertida de Justiça, punir as pessoas por quaisquer transgressõezinhas, como a de cuidar de um animal órfão e exibir esse afeto bobo, infantil e inócuo para quem quiser ver.
Aí está, arqueólogo do futuro (claro que é do futuro, né?), um resumo do que aconteceu de importante na última semana de abril deste ano da graça de 2023. As más línguas dirão que houve fatos mais relevantes e mais dignos deste espaço, como a instalação de uma CPMI, a votação da urgência de um projeto de lei que institucionaliza a censura e a minha volta das férias. Mas se digo que essas línguas são más é porque tenho meus motivos.
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