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Para mim férias sempre foram sinônimo de castigo. É, eu sei, soa esquisito isso daí. Mas o advérbio se faz necessário: sempre foi assim. Na infância, as férias tornavam compulsória a separação entre mim e meus colegas – que eu tinha por amigos. Isso sem falar na Enciclopédia Barsa que eu sonhava ler enquanto pulava do trampolim no Harmonia Clube de Campo, em Umuarama.
Uma sensação igualmente incômoda se apoderou de mim ao longo de todo o mês de abril, quando, adulto já mais próximo da velhice do que da adolescência, me vi obrigado ao silêncio que, me garantiam todos & a CLT, era necessário. E talvez fosse mesmo. Plantar para colher, ensina com simplicidade o Eclesiastes. Deixar a terra descansar. Receber passivamente a água da chuva, com seus nutrientes aleatórios. Semear e esperar pela fartura. Assim seja!
De qualquer forma, foi um "castigo" que me levou de volta não só à cidadezinha do noroeste do Paraná, mas também à mesa de vidro da sala de estar da casa no Bairro Alto, onde minha mãe, naquele humor que ainda hoje lhe é peculiar, encapava os livros didáticos e os cadernos com o indefectível plástico azul quadriculado. Eu ao lado dela, antevendo tudo o que aprenderia nos próximos meses. Ansioso por finalmente saber o que é um logaritmo (nunca soube).
As férias determinadas pela fascista CLT também me fizeram perceber que ainda compartilho angústias e dramas com aquele menino que, em meio ao areião avermelhado do interior, se sentia fisicamente isolado da civilização. Naquele tempo, tinha a impressão de que vida era o que acontecia enquanto eu tomava vaca-preta na única sorveteria da cidade. Ou enquanto jogava bocha com os amigos velhos e ébrios do meu tio. As circunstâncias são ligeiramente diferentes, o cabelo rareou e a barba está mais branca do que nunca, mas a sensação é a mesma: vida é aquilo que acontece enquanto estou obrigatoriamente calado.
Não preciso ser o psicanalista amador que um dia fui para constatar melancolicamente a perversidade contida na ideia de que o mundo um dia há de se acostumar com minha ausência. É como se as estrelas de um céu tranquilamente caipira me chicoteassem com essa verdade absoluta que teimo em querer infantilmente refutar: a importância que nos damos é uma ilusão. E, no proverbial frigir dos ovos, o silêncio ou a palavra, a presença ou a ausência, a piada tola e o conceito cuidadosamente construído têm todos o mesmo e limitado alcance.
Isso não quer dizer que eu deva, nós devamos ou vós devais optar pela saída beneditina, isolando-nos de um mundo que dá de ombros para tudo o que acontece em suas (dele) entranhas. Enquanto houver vida, a ausência deve ser preenchida. Além disso, há beleza e um sentido misterioso no ato de levar a rocha até o alto da montanha só para vê-lo despencar no dia seguinte. É que, entre o sopé (palavra que não uso desde 1982!) e o cume acontecem muitas mais coisas do que supõem nossa vã filosofia.
Aqui, antes de concluir a crônica, o menino novamente dá a mão ao homem para com ele compartilhar da deliciosa sensação de rever os amigos. Vai começar tudo de novo e, no entanto, tudo nunca acabou nem foi interrompido. De minha parte, é como se folheasse aqui os livros didáticos cuidadosamente encapados e etiquetados, e sem as orelhas-de-burro que adornariam suas folhas usadas no fim do ano. Ansioso mais uma vez, mas não por aprender logaritmos, e sim “democracia”, “liberdade”, “tolerância” e “justiça” – matérias muito mais difíceis, para as quais não há calculadora científica possível.