A decisão de Fachin nos afeta naquilo que temos de mais divino: a capacidade de distinguir o certo e o errado e a nossa esperança.| Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
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Por causa da decisão de Fachin sobre Lula, passei a tarde de ontem recebendo mensagens de amigos. Umas com mais, outras com menos pontos de exclamação. Todas cheias de indignação, frustração, revolta impotente e dúvidas. Muitas dúvidas. A todas eu tentei reagir com algum humor, repetindo o velho adágio do “isso também passará”. Até que recebi a ligação do meu pai.

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Meu pai é um homem simples. Um homem extraordinariamente comum que viveu para dar uma vida melhor do que teve aos filhos. Ele é também um homem íntegro, que nunca suportou desonestidade e mentira. Ao telefone, ele, que nunca fala palavrão, soltou um ou dois efedepês para se referir aos envolvidos. E concluiu com um lamento: “Não vou viver para ver o Brasil ser um país melhor”.

Ao ouvir aquilo, eu, que estava no meio de um texto pretensamente leve e engraçado sobre a “fachinada” do STF, percebi que essa era uma daquelas raras situações em que o riso não ajuda em nada. Apesar de fazer parte de um teatro distante, com personagens que parecem semideuses, interpretados por atores canastrões num cenário cheio de pompa vazia, a decisão de anular as sentenças de Lula na Lava Jato afeta, sim, a vida das pessoas honestas, íntegras e comuns.

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Lei Natural

E afeta naquilo que temos de mais divino: a capacidade de distinguir o certo e o errado, o bem e o mal. Num processo que já dura anos, os juízes, que deveriam expressar a consciência moral coletiva da sociedade, abandonaram esse dever nobre para prestar mesuras à política mais rasteira, para se subjugar a um Estado sem alma e sem moral. Fachin e seus colegas há muito abandonaram a submissão à Lei Natural para se tornarem escravos de Maquiavel.

Não é de hoje que o STF agride nosso já combalido senso de justiça. Já no julgamento do Mensalão, há remotos 9 anos, pairava no ar a sensação de que nossa Corte tinha interesses outros que não tentar apaziguar as relações entre os homens públicos e a verdade. Uma sensação que, nos últimos anos, com Inquérito do Fim do Mundo e afirmações de que o STF deveria agir como “editor da sociedade”, foi se intensificando.

Hoje estamos à mercê não de Juízes, no sentido até bíblico do termo. Estamos à mercê de técnicos do direito, todos positivistas acreditando piamente que, se não são deuses, chegam perto disso. Na base da canetada monocrática, eles são capazes de moldar a realidade de forma a adequá-la a seus caprichos. Nós, homens comuns, não somos súditos; somos peões numa experiência jurídica que parece ter como objetivo provar que a Letra é maior do que o Verbo. Não é.

A decisão de Fachin também abala nossa esperança. Esperança que, mais do que uma palavra a enfeitar agendas de adolescentes, é aquilo que nos impulsiona à virtude. Meu pai viveu com a esperança de ver seus filhos e netos vivendo num país melhor do que o Brasil em que ele nasceu. Não um país perfeito, mas melhor. Mais próspero, e mais pacífico. Um país recompensasse o trabalho e repreendesse os vícios.

É a esperança, mesmo que a ela possamos dar nomes diversos, o que nos move a acordar todos os dias. E, no meu caso, vir aqui e escrever este texto que, se é incapaz de acalmar o leitor mais exaltado, talvez ao menos lhe dê uma perspectiva menos sombria (e menos pragmática) sobre tudo o que acontece naquele paraíso de tecnocratas desalmados que é Brasília.

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Impotentes diante de um poder que parece infinito e de uma justiça que há muito abandonou a lógica mais elementar, sem um ou vários líderes capazes de nos devolver verdadeiramente a esperança de ver a ordem reinstaurada e impossibilitados até mesmo de criticar o onipotente e impiedoso STF, o que nos resta? Cada um há de encontrar sua saída. Eu vou de paciência e, quando for a hora, de riso.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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