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É, eu sei. Você não acredita nas pesquisas eleitorais. O que é totalmente compreensível. Apesar da aura de precisão e objetividade científica, as pesquisas estão sujeitas a erros muito humanos. Mas isso não quer dizer que você seja insensível aos levantamentos recentes que mostram o ex-presidiário Lula à frente. Sou capaz de apostar como lá no fundo, e às vezes nem tão no fundo assim, você se incomoda.
Este, aliás, é mais um super-poder do Super Malandro e seus asseclas: confundir o nosso senso de realidade e, nessa confusão, plantar a semente da cizânia. Inclusive da cizânia íntima, por assim dizer. Aquela briga de você com você mesmo, porque não é possível que seus olhos e sua intuição tenham uma percepção tão equivocada da realidade, não é mesmo?
Daí surge o primeiro dos incômodos. Que nem é o mais grave. Estou falando do incômodo da humilhação de ver os números estampados nos jornais e repetidos pelos petistas como se fossem argumento capaz de provar a superioridade de uma visão de mundo desastrosa e trágica. É como se o mais recente e estapafúrdio levantamento do instituto XYZ fosse um sinal de que todas as ideias que o liberal conservador defende são erradas. E, muito em breve, serão soterradas por uma montanha de autoritarismo vermelho.
Mas tudo bem. Esse tipo de discurso falacioso só fere nossa vaidade. Afinal, se o que está em jogo são valores, não tem muito sentido falar em vitória e derrota. Valores certos, convicções assentadas em bases outras que não o utilitarismo, continuarão certos, a despeito do resultado nas urnas. Muito mais grave, a meu ver, é a sensação de solidão intelectual e moral que acompanha essas pesquisas eleitorais que mostram um ex-presidiário, líder de um partido defensor de ideias perigosamente revolucionárias, como possível presidente do Brasil.
É uma solidão que afeta até mesmo nosso senso de pertencimento a um povo que, em teoria, quer o melhor para si e para os seus. Diante da possibilidade, ainda que enganosa, de uma vitória lulista no primeiro turno, é impossível não pensar que talvez estejamos cercados por pessoas que têm uma visão perversa do país e da vida. E que querem impor essa visão perversa sobre os demais.
Valem, aqui, as mesmas perguntas que fiz quando pesquisas mostravam que 45% dos eleitores (aproximadamente 66 milhões de brasileiros) cogitavam votar no mais milionário dos pobres profissionais. Será que estamos cercados por inocentes que realmente acreditam nas promessas irrealizáveis de Lula? Será que estamos cercados por revolucionários que veem no ex-presidiário um Marat com as mãos sujas de graxa (sugestão de algum marqueteiro)? Ou pior: será que estamos cercados por parasitas obcecados pela manutenção de privilégios para lá de indecentes?
As pesquisas eleitorais, por mais que não se acredite nelas, afetam nossas relações cotidianas. Por mais tolerantes que nos consideremos, paira no ar a desconfiança. Será que essa pessoa aí ao lado, de fala tão mansa, olhos melancólicos e sonhos elevados, é alguém que caiu na lábia do esquerdismo que sempre promete um paraíso e entrega um inferno? Imaginando o extremo, será que estamos diante de milhões de concidadãos que, num eventual terceiro governo Lula (toc, toc, toc), não hesitarão em fascistamente eliminar os inimigos de sua ideologia?
É isso o que a política contemporânea faz com as pessoas, até mesmo com aquelas que estufam o peito para se dizerem livres: ela nos aprisiona numa jaula de medo e corrompe nossas relações de afeto. Mas só se nos deixarmos levar pela humilhação da mentira com ares de ciência que parece questionar zombeteiramente se preferimos acreditar nas estatísticas ou naquilo que nossos olhos insistem em ver.