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Polzonoff

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"Para nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.

Concurso de popularidade: as eleições municipais e o ocaso da democracia

Toda deformada, a democracia hoje privilegia candidatos tão caricatos que fariam inveja a Odorico Paraguaçu. (Foto: Reprodução/ TV Globo)

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Domingo (15) é dia de você vestir a melhor roupa, fazer cara de quem realmente acredita que tem o destino da cidade nas mãos e participar da tal festa da democracia. Você vai escolher o prefeito e os vereadores que administrarão sua cidadezinha ou metrópole. Gente como o Anão do Posto, o Batatinha, o Euclides do Biscoito. São eles que tomarão decisões que, de um jeito ou de outro, invariavelmente atrapalharão sua vida.

Amargo, eu? Que nada! Muito mais amargo é o cientista político e maluco beleza (nessa ordem) Hans Hermann Hoppe, que tem suas teorias sobre a decadência da democracia comprovadas a cada eleição municipal brasileira. Imagino Hoppe, de onde quer que ele esteja, assistindo às propagandas dos aspirantes a vereador ou aos debates dos que sonham em virar alcaides. “Eu avisei! Eu avisei!”, provavelmente diria ele, que é alemão e, portanto, dado a uma schadenfreude com cerveja.

No túmulo se reviram o sempre precavido (mas não o bastante) Thomas Jefferson e o curioso Tocqueville. Duas pessoas que, diante daquela novidade chamada “democracia”, que maravilhava a todos por sua enganadora perfeição, fizeram ressalvas que não foram ouvidas por ninguém - das quais os brasileiros desdenham de um jeitinho todo especial e sobre as quais sambam zombeteiramente, como convém.

Tanto cuidado para impedir a instauração de uma ditadura da maioria, tantos dedos para criar obstáculos a candidatos sem caráter, mas populares, tantas palavras para criar regras eleitorais as mais justas possíveis. E para que tanto esforço? Para ver o povo seduzido por candidatos que, na melhor das hipóteses, almejam a glória provinciana. Na pior, eles almejam apenas os salários e os privilégios dos cargos públicos.

A democracia com ares de circo decadente não é exclusividade verde-e-amarela. Em outros lugares do mundo também é assim, mas no Brasil me incomoda porque, bom, porque moro aqui. Nesta terra onde em se plantando tudo dá, as eleições, face mais tangível da democracia, se transformaram em meros concursos de popularidade entre fracassados sem talento para algo produtivo. Exagero? Talvez. Me dá um desconto que hoje é sexta-feira 13, vai.

Mas olho em minha volta e não vejo nenhum sinal de ideia, de projeto ou de sonho, muito menos do fugidio “espírito público”. Agora mesmo, por exemplo, meu WhatsApp berrou aqui ao lado com o vídeo de um candidato a prefeito cantando musiquinha infantil em meio a um “debate drive-in”. Outro vídeo mostrava a candidata que deseja comandar uma das maiores cidades do mundo rimando “IPTU” com alguma outra coisa que frustra nossa expectativa. O tempo todo sorrindo aquele sorriso de Xuxa para tentar pegar o eleitor desprevenido.

Os simpáticos e ao mesmo tempo repugnantes Odoricos Paraguaçus que antes estavam restritos às telenovelas e aos rincões do Brasil hoje habitam despudoradamente o cenário político das grandes metrópoles. E, cada qual numa camisa-de-força mais chamativa do que a outra, eles disputam a preferência de um eleitorado que não está nem aí para a cidade onde mora – até porque a maioria desconhece as funções dos vereadores e prefeitos.

Bom mesmo, penso eu cheio da nostalgia que condeno, era o tempo em que os candidatos a prefeito prometiam coisas prosaicas, como asfalto, ou megalomaníacas, como O Maior Obelisco do Mundo. Hoje, os Odoricos Paraguaçus bancam os super-heróis ideológicos que salvarão a Civilização Ocidental ou destruirão o capitalismo e darão início à Ditadura do Proletariado ali mesmo, de dentro do gabinete nos fundos da prefeitura de pau-a-pique em Piraporinha do Mato Seco.

A democracia, toda deformada por décadas e décadas de legislações cancerosas, é o homem-elefante que somos obrigados a encarar de dois em dois anos. Sua deformidade, contudo, nos causa tanta repulsa que tratamos a democracia com deboche, quando não nojo. Resta saber se um dia haverá alguém (ou alguéns) capaz de restaurar a beleza que um dia ela exibiu, seios à mostra e tudo, mesmo em meio às cabeças decapitadas da Revolução Francesa.

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