Ronald Robson: um orgulhoso filho de um cantador de bumba-meu-boi do Maranhão.| Foto: Yane Botelho Robson
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Não sei a quantas andam as vendas de “Contra a vida intelectual” (Ed. Kírion), de Ronald Robson. Tampouco sei se o autor tem expectativa de ganhar o Jabuti ou o Nobel ou qualquer premiação do tipo. Mas sei que esse pequeno livro já alcançou a maior glória a ser almejada por uma obra do tipo: ser discutida apaixonadamente na távola quadrada do Bar do Dante, em Curitiba. Parabéns para ele!

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O livro, na verdade um divertido panfleto, é uma bronca na tal da “direita cultural”. Uma bronca necessária. A premissa é a seguinte: com o surgimento da Nova Direita (só porque, nas palavras do amigo Josias Teófilo, ninguém aguentava mais o Caetano Veloso), ficou claro que havia uma enorme demanda por Educação com “e” maiúsculo e todo trabalhado no gótico. Por algum tempo, Olavo de Carvalho tratou de suprir essa demanda. Depois, essa tarefa coube e até hoje cabe a uma penca de influencers de direita, sejam eles “olavetes” ou não.

Até aí, tudo bem. O problema é que esse lucrativo mercado da, digamos, educação clássica semiautodidata atraiu tanto mestres legítimos quanto oportunistas que, intencionalmente ou não, acabaram por formar uma legião de pseudo-eruditos sempre dispostos a sacar a “Suma Teológica” do bolso a fim de vencer uma discussão na Internet, mas incapazes de fazer a ligação necessária entre o que se lê nos gregos ou em S. Tomás de Aquino e a vida real. São os fariseus do nosso tempo, com bem disse alguém na mesa*.

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A questão levantada por Ronald Robson é: de que adianta fomentar uma vida intelectual se ela é estéril ou, na melhor das hipóteses, utilitarista; se ela serve apenas para criar regras e impor estilos de vida rígidos, num evidente estímulo ao que vou chamar aqui de escapismo esclarecido? E agora, enquanto você pensa numa resposta, vou esperar que um amigo se sirva de uma gelada para fazermos um brinde ao grande Bernardo Lins Brandão, que semana passada inventou de sofrer um infarto só para nos assustar. Canalha!

Saúde, Bernardo!

São vários os bons momentos de um livro que só não vou chamar de provocativo porque... Nada mais cafona do que chamar um livro de provocativo. Minto. Só “instigante” é mais cafona. Aliás, já que estamos falando de palavras e cafonices... Pô, Ronald! “Saberes” não, né? Saberes não dá e me desculpe pela implicância gratuita. É que eu tinha que encontrar um defeito no seu livro e achei esse. Chegou o lambari frito. Servidos?

Mas eu dizia que o livro é cheio de momentos bons e até ótimos e é. Como, por exemplo, “A ambiguidade é boa. Deus criou as ambiguidades, o diabo é que gosta de ideia fixa simples”. Ou então este, talvez meu preferido: “Quem aspira a elevar-se à visão de Deus sem passar pelos poucos elementos de divindade criados por mãos e mentes humanas não aspira, na verdade, a conhecimento algum das realidades últimas. Aspira, que vergonha, à manutenção da própria autoimagem de um esquisito que não se rende ao mundo”. O autor (chamo de Ronald, de Robson, de RR, de Rorrô?) se refere à alergia que os “clientes” da Nova Direita sentem de tudo o que não é canônico.

Chamam a atenção também os divertidos termos cunhados pelo autor, como “neopentecostalismo intelectual” e “teologia da prosperidade intelectual”, que é “a crença mais ou menos implícita – mas às vezes explícita – de que a leitura de livros, a compra de cursos online e a dedicação a uma vida digital alinhada à alta cultura irão lhe propiciar não só a salvação da sua alma, mas também a solvência de todas as suas dívidas, com a possibilidade de passar férias em Cancún e casar com alguma blogueirinha bonita”. Vish!

Enfim, Ronald Robson se revela como um observador perspicaz da realidade dessa bolha da qual fazem parte pessoas desencantadas com a mediocridade da educação nas escolas e universidades, bem como com a evidente corrupção moral da nossa elite cultural. Ele parece realmente preocupado em corrigir a rota dessa nau de degredados, antes que ela bata nas pedras e afunde sob o peso de tomos e mais tomos cuja leitura é inútil se for tida apenas como “manual de conduta”.

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A saideira, por favor

Os senões ficam por conta do rabugento da mesa, que não vou nomear aqui, mas ele sabe quem é, e que apontou alguns problemas bastante pertinentes no livro. O primeiro deles: a quem se destina uma provocação desse tipo? Nesse ponto, me parece que Ronald Robson sofre de uma doença semelhante à minha: acreditamos que as pessoas têm autocrítica e gostam do desafio de “levar bronca”. Os 46 anos que carrego sobre os ombros me dizem que é exatamente o contrário disso, Ronald.

Daí porque algumas referências pessoais do autor soam como falta de caridade. Sei que não é, mas soa como. Afinal, se a Nova Direita chega ao ridículo de incluir a “Odisseia” numa lista de livros proibidos por ser uma obra pagã, ou se tem gente discutindo a sério se driblar é ou não pecado (sim, teve isso), não é por mal. É porque, tendo vivido toda uma vida de sofrimento por se expor ao que há de pior na cultura popular, muita gente sente que precisa se proteger. E se protege assim: tratando a cultura como um mapa da salvação e rejeitando tudo o que considera uma influência maléfica em sua vida.

É uma insegurança que precisa ser compreendida. Assim como deve ser compreendido o, digamos, ímpeto empreendedor exagerado de muitos mestres legítimos e vocacionados. Afinal, o fato de muitos deles cederem às tentações da fama, do dinheiro e do poderzinho de humilhar seguidores no Instagram é reprovável, mas também é muito... humano. Mas agora chega. A saideira e a conta, por favor.

* Contribuíram de alguma forma com este texto o Bola, o Pinduca, o Chiquinho do Opala, o Sete-sete e o Caolho.