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Polzonoff

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"Para nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.

Não existe a menor possibilidade de um corrupto ser feliz

Talvez essa percepção da desonestidade como um fardo o ajude a pensar que o castigo do corrupto está na própria corrupção que o escravizará até a morte. (Foto: Bigstock)

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Quem recebe minha newsletter sabe: tive a ideia para a crônica “Entidade processa Flávio Bolsonaro por chamar Renan Calheiros de ‘vagabundo’” por volta das 5h da manhã, depois de ouvir um mendigo gritar “vagabundo” para alguém. Acordei e fiquei degustando a palavra. Primeiro, a forma: como a boca morde o lábio inferior antes de se abrir num “a” raivoso, recorre ao “g” na garganta e explode num “bum” indignado, seguido por um “do” que é quase o som de um corpo caindo no chão.

Depois, porém, comecei a dar à palavra um significado. E, para minha surpresa, descobri que era difícil. “Vagabundo” é palavra de uso tão rotineiro quanto vago. O Carlitos de Chaplin, por exemplo, é um vagabundo, assim como eram os beatniks e como são a bandidagem, digamos, menos romântica. Pergunto: em que momento a vagabundagem deixa de ter essa conotação de preguiça inofensiva e passa a significar um ato hostil?

Uma coisa leva a outra e, quando percebi, estava me demorando no banho, à procura de uma boa definição para esse tipo específico de vagabundo político a que damos o nome de “corrupto”. O corrupto é alguém que se aproveita do esforço alheio na esperança de garantir para si um futuro de sombra e água fresca. É, portanto, uma pessoa que investe no caminho mais fácil e preguiçoso para alcançar um objetivo de facilidades e preguiça.

E ele faz isso por meio de ardis, artimanhas, blefes, cambalachos, conluios, embustes, falcatruas, farsas, fraudes, golpes, intrigas, logros, manobras, maquinações, maracutaias, mentiras, mutretas, patifarias, perfídias, raposices, subterfúgios, tramoias, trapaças, truques e velhacarias. Ufa. Cansa, né? Imagine, portanto, viver essa vida supostamente fácil que é também uma aposta no erro em troca de dinheiro e das muitas coisas supérfluas que ele é capaz de comprar.

A dúvida que afronta

E, no entanto, ao vermos a imagem de um corrupto que sabemos contumaz, mas que está à solta por aí, talvez até relatando uma comissão parlamentar de inquérito, é como se ele esfregasse em nossa cara a mentira pela qual vive – isto é, a de que a esperteza vale a pena – como se fosse uma verdade.

Essa é a afronta que gera indignação e que leva multidões às ruas. É como se o corrupto me perguntasse cinicamente por que opto por uma vida dura de honestidade e sacrifícios, quando bem poderia vender dois ou três princípios e viver no bem-bom. A corrupção tem esse lado que eu considero surpreendentemente bom: ela faz com que nos sujeitemos, nem que seja em imaginação, à tentação dos prazeres frágeis da vida material – e a rejeitemos.

O lado ruim é que o corrupto, todo paramentado na impunidade, nos deixa com um verdadeiro pulgueiro atrás da orelha. É nessa dúvida quanto às nossas escolhas moral, intelectual e materialmente honestas que reside o grande dano espiritual da corrupção. Os de fé menos sólida nos próprios princípios podem titubear e ceder à inveja. Os outros, à raiva que, até aqui, tem se mostrado ineficaz e contraproducente.

A corrupção como fardo do corrupto

Pense, por exemplo, no seu corrupto de preferência, tenha ele dez ou nove dedos. Você realmente acredita que existe alguma possibilidade de ele se deitar à noite sem temer, nem que seja um pouquinho, que de alguma forma o desmascarem no dia seguinte? E no próximo e no próximo e no próximo? Sem imaginar a vergonha da família e dos amigos, aquela troca de olhares e os sussurros de “aí vem o bandido”? Sem aventar a hipótese, por mais improvável que seja, de passar uma noite na cadeia?

O que diferencia o vagabundo do homem honesto, pois, não é a esperteza de um e a parvalhice do outro. Porque o homem honesto também é esperto e também ambicioso, mas o objeto de sua ambição não tem nada a ver com mansões, carros, conta na Suíça, teúdas & manteúdas e aspones especialistas na arte do puxassaquismo. A ambição do homem honesto é a vida digna e, quem sabe, se tornar depois de morto uma lembrança daquelas que se evoca entre suspiros, aiais e conclusões do tipo “Ah, como ele faz falta!”.

Não quero, com isso, dizer para você abdicar da sua revolta ou da necessidade de ver os corruptos/vagabundos punidos. Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum, como já aconselhava uma velha propaganda de cigarro. Mas talvez essa percepção da desonestidade como um fardo o ajude a pensar que o castigo do corrupto está na própria corrupção que o escravizará até a morte.

E que a recompensa para a honestidade está na cotidiana sensação do dever cumprido e em saber que não há nenhum perigo de você ser acordado às 6h da manhã ao som da bateria da Unidos da Polícia Federal.

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