Ando meio desligado. Nem sinto meus pés no chão. Olho e não vejo nada. Eu só penso num parágrafo de um livro que, começo a desconfiar agora, eu não deveria ter lido e muito menos relido. Não vou citar o título do livro porque cansei de me repetir. E também para obrigá-lo a consultar as crônicas dos últimos três meses. Mas vou citar, sim, o parágrafo que é simplesmente destruidor. Segure-se:
“O coletivismo de que morre o mundo, e de que vivem os novos aventureiros, é a teoria do ajuntamento sem unidade; é a tentativa de encontrar significado na multidão, já que não consegue se descobrir o significado de cada um; é a conspiração dos que se ignoram; a união dos que se isolam; a sociabilidade firmada dos mal-entendidos; o lugar geométrico dos equívocos”.
Uau. Mil vezes uau. Leio isso. Me deito. Fico olhando para o teto uns minutos. Quase morro, mas logo me lembro de que estou vivíssimo num mundo onde “a sociabilidade dos mal-entendidos” é a mais pura realidade. Não há muito o que eu possa fazer sobre isso, a não ser reproduzir o trecho, na esperança de que ele ilumine algum leitor da mesma forma que me iluminou. Mas, veja só, nem era sobre isso que eu queria falar hoje. O tema da coluna é, na verdade, a CPI da Educação.
Tem gente lá em Brasília esfregando as mãos como vilão de James Bond (vocês não vão acreditar, mas acabei de escrever Super Bond), porque a CPI é uma oportunidade de ter sobre si holofotes em ano eleitoral. Tem gente exultante como uma paquita quando a Xuxa descia da nave, porque “finalmente os políticos estão demonstrando preocupação com a educação brasileira”. E tem gente, muita gente, triste – simplesmente porque vivemos uma pandemia de infelicidade.
Se fosse me colocar num desses grupos aí, diria que por um lado estou triste (por causa do parágrafo acima reproduzido), mas por outro estou paquitamente alegre diante da oportunidade de vermos investigados alguns dos maiores mistérios envolvendo a educação neste Brasilsão de Meudeus.
Não vejo a hora, por exemplo, de ver convocadas as professoras primárias do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Aproveito para dizer que nunca vi ninguém tão pacheco quanto Pacheco. Tem cara de pacheco, se veste como pacheco, pensa como pacheco, age como pacheco, anda como pacheco – e ainda por cima tem Pacheco no nome. Não sei quem dizia que nome é destino. Discordo no geral, mas difícil discordar no caso específico de Rodrigo, o Pacheco.
Antes de entrar no elevador
A CPI da Educação também é uma oportunidade para tirarmos a limpo essa história absurda de Acordo Ortográfico. Afinal, a quem eu tenho que pagar propina para que o trema volte? Quem terá sido o idiota que não previu que a queda do acento diferencial criaria bizarrices como o homem que para para pensar? E, já que estamos falando do maltratado idioma da futura acadêmica e imortal Larissa de Macedo Machado, não é má ideia investigar quem cometeu o gravíssimo crime de redigir o aviso “antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se no andar” – provavelmente a pior frase da história da literatura burocrática brasileira. E olha que a concorrência é grande.
Mas, para não dizer que não falei de fractais, deixe-me mencionar aqui também importantes assuntos sobre os quais os senadores certamente lançarão, finalmente, alguma luz. Primeiro, quantas casas decimais tem o pi? Depois, por que eu, um jornalista, ainda sei de cor a Fórmula de Bhaskara? E de uma vez por todas: como é que se faz divisão com dois números na chave mesmo?
Outros crimes de lesa-educação que devem ser investigados com todo o rigor e astúcia de nossos nobres parlamentares são por que o Leonardo enfiou no nariz e depois comeu todo o giz de cera do Pré II, por que os alunos do colégio Madalena Sofia na década de 1980 não podiam andar com o casaco na cintura e aquele que é o maior mistério a assolar as salas de aula do país: quem está com a mão amarela? E, já que os senadores estarão com a mão na massa de modelar, também vale investigar quem inventou essa história de que Paulo Freire é gênio e mesóclise é chique.
Xi, pára (com acento diferencial porque eu posso) tudo! Me disseram aqui (próclise também porque eu posso) que não é nada disso e que a CPI da Educação na verdade se chama CPI do MEC e vai investigar a venda de um carro de R$60 mil reais da filha de um ministro para a filha de um pastor e por que o ex-ministro Milton Ribeiro mantinha aquele bigodinho ridículo, entre outras coisas de relevância duvidosa.
Que decepção. Dessa forma, o Brasil joga no lixo uma oportunidade de ouro, ou melhor, de nióbio para investigar não só por que o “m” tem o privilégio de anteceder o “p” e o “b”, mas sobretudo por que apenas uma minoria de alfabetizados consegue associar a criação de mais esse espetáculo deprimentemente circense (aqueles circos de periferia, manja?) ao trecho de “Lições de Abismo” reproduzido lá em cima.
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