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A geração que substituiu a busca da felicidade pela necessidade patológica de não sofrer jamais, em hipóteses alguma, e cujas maiores contribuições para a história da arte são a destruição performática de um tal de Bansky e as pichações que emporcalham as cidades, agora tem como alvo revolucionário o cristianismo e a arte cristã. Eles dizem que é tudo em nome da justiça social, do antirracismo, da pureza ideológica, de um imaculado futuro ultraigualitário. Eu digo que é preguiça mesmo.
Em dois tuítes publicados na segunda-feira, o ativista do movimento Black Lives Matter (But Only If They Are Marxist) Shaun King conclamou seus 1,1 milhão de seguidores a atacarem todas as imagens eurocêntricas relacionadas ao cristianismo. “Sim, acho que as estátuas do europeu branco que eles dizem ser Jesus também deveriam ser derrubadas. Elas são uma forma de supremacia branca. Sempre foram. Na Bíblia, quando a família de Jesus quis se esconder e se misturar na multidão, para onde ela foi? Para o EGITO! Não para a Dinamarca. Derrubem tudo”, escreveu ele que, a julgar pelo currículo, tem seu sustento intimamente atrelado à manutenção da narrativa do racismo sistêmico – algo que Thomas Sowell vem acusando há tempos. Sem o racismo para combater, gente como King morre de fome (ou procura outra coisa para fazer).
Logo em seguida, como que prevendo a repercussão de seu tuíte obtuso, King dobrou a aposta ao escrever: “Sim. Todos os murais e vitrais com o Jesus branco, sua mãe europeia e seus amigos brancos também deveriam ser destruídos. Eles são uma forma nojenta de [demonstração] da supremacia branca. Criados como instrumentos de opressão. Propaganda racista. Todos deveriam ser destruídos”.
A submissão às vontades do impoluto King significaria destruir coisas como o teto da Capela Sistina e as muitas representações da Santa Ceia, por exemplo. Significaria desfigurar igrejas no mundo todo. Significaria abdicar de obras de arte de todos os mestres da pintura. Significaria demolir toda a base de valores da Civilização Ocidental – valores esses que contribuíram, inclusive, para que a escravidão deixasse de ser a norma que foi ao longo de séculos e passasse a ser vista com ojeriza pela Humanidade.
Mas há um lado bom deste furor iconoclasta de King e seus súditos – ao menos para aqueles que não suportam mais essa lenga-lenga de reparação histórica. Porque esse tipo de demanda agride de tal forma o bom-senso do tal homem comum (sim, ele existe!) que ele abandona qualquer solidariedade que possa nutrir pela causa radical. O que resta é apenas uma sensação incômoda de ridículo.
Foi o que aconteceu com o movimento feminista #MeToo, há não muito tempo. Se não fossem tão avessos à história, os ativistas talvez tivessem aprendido que a retórica insana de hoje é contraproducente para sua causa – qualquer causa. Que chegar ao absurdo de pedir a destruição de toda a arte sacra ou a substituição da imagem de um anjo derrotando o diabo numa condecoração (só porque ela lembra vagamente a morte de George Floyd) ou ainda que a Torre de Belém, em Lisboa, seja demolida é reduzir a pauta progressista a uma piada de mau gosto.
A verdade é que ninguém aguenta mais tanto vitimismo, tanta fragilidade, tanta inépcia diante do timão da própria vida. Independentemente dos genótipos, fenótipos e principalmente das circunstâncias que nos distinguem, todo mundo já teve ancestrais que foram vítimas de algum tipo de injustiça. E, no presente, todo mundo leva a vida aos sobressaltos, como é natural. Pregar a possibilidade de uma vida retilínea e uniforme, isenta de culpa, mácula e infinitas possibilidades de redenção é puro charlatanismo intelectual.
Um charlatanismo que, ironia das ironias, emula uma hierarquia religiosa, com seus profetas, seus sacerdotes e seus exegetas - e até seus mártires. E com uma arte (baseada no improviso, no desejo primitivo de destruição e sobretudo na escatologia) que aspira a, um dia, moldar a sociedade substituindo como matéria-prima o mármore do perdão e da compaixão por essa argila macabra de inveja, ressentimento e vingança.