Houve um tempo em que dezembro era marcado pela doce pieguice natalina. Tudo era fofo e meigo e cuticuti e outros adjetivos do tipo. Por pior que fosse a realidade, no último mês do ano ela parecia vir sempre embrulhada num papel de presente bem cafona e decorada com um laço vermelho enorme. Dezembro era o mês da esperança, de tudo o que ainda estava por ser vivido.
Era o mês de comer panetone cheio de frutas cristalizadas sem jamais imaginar que um dia inventariam o tal do chocotone. Era o mês de ouvir “Então É Natal” em absolutamente todas as lojas. Era o mês de se surpreender cantarolando “Noite Feliz” baixinho. Era o mês de se encantar com os pisca-piscas. Era o mês de pensar cuidadosamente no presente do amigo secreto da firma.
Já na segunda metade do mês, a vida parecia mudar de ritmo e de tom. Era como se nos deixássemos levar pela boa sensação do dever cumprido. E tome planos para o ano vindouro. Recebíamos cartões de parentes distantes. E o presunto enlatado era o luxo esquisito das generosas cestas de Natal.
Havia ainda o Especial de Roberto Carlos: aquele momento em que finalmente tínhamos certeza de que o ano terminou. Foram tantas emoções, bicho. Eu queria ter um milhão de amigos. Amanhã de manhã vou pedir um café para nós dois. Jesus Cristo, Jesus Cristo eu estou aqui.
(Nostalgia)
Mas você sabe que não gosto de nostalgia. Não gosto da sensação do “ah, antes tudo era melhor”. Porque a nostalgia é uma distorção cognitiva que não resiste a dois segundinhos de reflexão detida. O que não quer dizer (pelamor!) que não haja verdade naquilo de que nos lembramos com tanto carinho e saudade.
O contrário da nostalgia é o ressentimento que tudo recobre com um pesado manto de maldade. É o que guia, por exemplo, grupos identitários que exigem vingança pela discriminação que sofreram. Que chamem vingança de reparação é mera estratégia. O ressentimento contemporâneo é essa raiva estranha por dores não sofridas, mas cuja sensação, ao que parece, se prolonga infinitamente. Ou até cansar – o que acontecer primeiro.
Se temos a impressão de que antes era melhor, portanto, é porque “antes” éramos também outras pessoas. Dispúnhamos (verbo horrível, hein?!) de outras informações, tínhamos outros sonhos e prioridades bem diferentes. Se a musiquinha exaustiva não nos incomodava, por exemplo, é porque estávamos na loja ou no shopping para ganhar um presente, e não para seguir uma lista de compras para a parentaiada toda. A escassez (e a imaturidade) nos torna pessoas mais tolerantes.
Cansaço, cinismo e zoação
Hoje em dia é preciso tomar cuidado com dezembro. Porque o último mês do ano, antes considerado o mês da esperança e da renovação, se transformou num lúgubre mês do cansaço. Vamos nos arrastando pelo mês como se ele marcasse o fim de uma maratona que disputamos obrigados. Os pisca-piscas nos irritam. Ninguém aguenta Joana Simone cantando que então é Natal. E, sob o calor do quase-verão, ignoramos qualquer resquício de magia para nos perguntarmos como é que o Papai Noel aguenta vestir aquele casaco.
Não à toa, dezembro é também o mês do cinismo. O mês de se lembrar de tudo o que aconteceu ao longo do ano – e passar raiva. É o mês de se ressentir pelos sapos engolidos, pelos silêncios forçados, por tudo aquilo que você fez contrariado. É um mês de insinuar um “basta!” – muitas vezes à custa das relações pessoais.
É em dezembro, ainda, que travamos cansativas batalhas culturais. Sempre tem alguém para achar engraçado debochar (zombar, humilhar) do nascimento da esperança. E sempre tem alguém para dizer que o Nascimento não tem base histórica. Sem contar no nerd que fez as contas e chegou à conclusão de que seria impossível o Papai Noel sobreviver a um voo de trenó puxado por renas pela estratosfera.
E é assim, pé ante pé, que chego ao fim deste texto escrito em dezembro, publicado em dezembro e, provavelmente, lido em dezembro por pessoas exaustas e sem tempo para se lembrarem de como eram felizes nos dezembros de antigamente.
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