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Polzonoff

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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

É só uma tempestade!

Cuidado! Tem gente se aproveitando do seu desespero político

(Foto: Pedro França/Agência Senado)

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Desespero político. Nem sei se é um conceito. Se não for, fica sendo agora. Trata-se, nesta definição improvisadíssima, do ato de se levantar todos os dias achando que o país vai acabar. Que haverá fome. Que opositores ao governo serão mandados para gulags. Que policiais invadirão nossas casas à procura de livros subversivos. E assim por diante.

Pelo que pude constatar entreouvindo conversas alheias na demorada fila de espera do restaurante Madalosso em pleno Dia das Mães, aqui na fascista República de Curitiba vivemos uma epidemia de desespero político. A ironia da cena não me escapa. Diante da fartura, com a boca cheia de polenta e frango frito, em vez de agradecer e celebrar as pessoas expressam medo.

Mal consigo me concentrar no prato à minha frente. Fico me perguntando o que há de legítimo e de falso nesse desespero. Vou além e me fustigo: será que contribuo para o fomento desse medo que, até agora, não encontra respaldo na realidade? Espero que não. Mas, se alguém aí achar que sim, por favor, pode puxar minha orelha.

Não que o país esteja assim uma maravilha. Basta olhar em volta. Não, não aqui no Madalosso! Quando digo “olhar em volta”, me refiro a um olhar mais amplo. A dobradinha Lula & Alexandre de Moraes é realmente asquerosa. A economia dá sinais inequívocos de uma fadiga próxima. Com o PT de volta ao poder, há um quê de revolução no ar. Ninguém mais parece ter vergonha da corrupção pretérita, presente e futura. Etc.

Sem falar na decadência moral que nos rodeia. E agora, correndo o risco de parecer mais velho e mais ranzinza do que sou, vou citar aqui o desprezo pela beleza, a busca incessante pelo sucesso (o que quer que seja isso), o cinismo que se confessa desavergonhadamente, a epidemia de ateísmo e os vários tipos de orgulho (eita palavrinha reveladora) sexual.

Eu avisei, hein?!

Mas é miopia – tanto política quanto espiritual – pensar que a vida se resume aos escândalos políticos cotidianos, às falas estúpidas do ex-presidiário, às decisões esdrúxulas do calvo, aos vestidos espalhafatosos da fofa deslumbrada. Ou ao funk, às metas inalcançáveis, ao humor perverso, à idolatria desmedida, à vulgaridade do arco-íris.

Não, de jeito nenhum, em hipótese alguma a vida se resume a essas coisas que absorvemos meio sem querer e que vão compondo um cenário absolutamente falso de uma catástrofe inexistente. O que me leva à conclusão meio apressada, como é próprio de uma crônica, de que há espertalhões se aproveitando desse desespero todo. E não me refiro apenas ao interesse venal. O lucro, nesse caso, costuma ir bem além da recompensa financeira.

O lucro (a vantagem, o excedente e até o prazer) está em ver a prevalência de uma cosmovisão que só não vou chamar de diabólica porque... Ah, vou chamar de diabólica, sim! Uma cosmovisão que ignora as manifestações claras do amor ao nosso redor. Que ridiculariza o amor. Que chama o amor de “piegas”. Para alguns, interessa fomentar uma ideia absolutamente artificial de caos só pelo prazer de dizer “eu estava certo!” hoje e “eu avisei!” amanhã.

Está com medo do futuro por causa do... Lula? Não consegue ver sentido no esforço cotidiano para ser uma pessoa melhor ou acha que a vida se resume a trabalhar para pagar impostos e financiar privilégios de pessoas “mais espertas” do que você? Acredita que o Alexandre de Moraes vai obrigá-lo a ser mau? Cuidado! Você talvez tenha sido inoculado com o vírus do desespero político. (Ao qual ninguém está imune. Nem eu).

Mas não se preocupe. Tem tratamento: basta contemplar a realidade que nos cerca. A realidade-real do céu azul ou das nuvens grávidas. Do prato farto à sua frente. Da cama macia e quentinha. Do brinde dos amigos. Do gato que abre os dedinhos quando se espreguiça. Das solidariedades improváveis e gratuitas. Das facilidades infinitas que a vida moderna nos proporciona. Caramba, a realidade-real de estarmos vivos e de, independentemente das circunstâncias políticas, sociais e econômicas, de Lula, Alexandre de Moraes e quem mais você quiser citar, sermos capazes de alcançar a Salvação.

Sei que o noticiário às vezes é deprimente. E é deprimente porque vai contra a nossa vontade. Mas alegre-se! (É segunda-feira). Não se deixe levar por quem tem interesse (venal ou não) em convencê-lo de que a vida é um inferno. Não é. Lula, Alexandre de Moraes & Cia. um dia passarão. Essa guerra que por ora tira seu sono terminará. A ditadura será vista com o devido escárnio. E, com alguma sorte, daqui a alguns anos você poderá olhar para trás e dizer que não só sobreviveu como também foi capaz de admirar a tempestade.

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