Acamado, com febre e tomando a deliciosa (diga o contrário para você ver o que acontece!) canja que a mulher preparou com toda a pressa do mundo, assisto à figura triste e algo repugnante de Gilmar Mendes dizendo que Curitiba tem o germe do fascismo. “Será que peguei esse germe aí?”, me pergunto, entre espirros tão dramáticos quanto os gestos de Mussolini no púlpito do Palácio do Quirinal. Sofrendo como um, bom, como um homem gripado, visto minha japona e saio para a rua.
O prefeito da cidade, Rafael Greca, dá comida às capivaras do Parque Barigui quando é surpreendido por este dublê de repórter. “Alguma declaração sobre a fala do ministro Gilmar Mendes, prefs?”, pergunto. Ele pensa, come dois sacos de pipoca, pensa mais um pouco e, por fim, responde que pretende convidar o ministro Gilmar Mendes para um passeio pelos pontos turísticos da cidade. “Além disso, pode botar aí que eu odeio xenofobia. Xenofobia é crime e todo mundo sabe que crime é coisa de ▇▇▇▇▇▇”, emenda.
Brincadeira. Até o momento, o prefeito não se manifestou. Mas sabe como é o curitibano, né? Extremamente zeloso quanto à imagem da cidade que já foi sorriso e ecológica e hoje é um amontoado de mendigos e pichações (desculpe, deve ser o germe "fascista" falando), o curitibano recebeu as palavras de Gilmar Mendes como uma ofensa pessoal. Houve relatos de altercações no Madalosso. Voou polenta frita para todos os lados. E, em defesa da honra da província, ouvi dizer que até Dalton Trevisan teria escrito um ultraminiconto intitulado simplesmente “Lazarento”.
Só mesmo a bancada do PT na Câmara de Vereadores é que ficou chateada. Poxa, Gilmar. Logo agora que esse pessoal prafrentex queria lhe dar o título de Cidadão Honorário de Curitiba? Que desfeita, piá!
Ser normal em Curitiba
A fala do ministro Gilmar Mendes coincide com a morte de Rita Lee. Que a contragosto (odeio clichês) vou chamar aqui de rainha do rock brasileiro. Eu, que sou um analfabeto musical, me lembro de como repercutiu na cidade o lançamento da música “Normal em Curitiba”. Dados ao provincianismo que com o tempo aprendi a admirar, os curitibanos celebraram o reconhecimento nos versos:
Quero o essencial da vida
Quero ser normal em Curitiba
Mas o que significa ser normal em Curitiba? Não sei, porque nunca fui.
Metonímia
Talvez temendo que a República de Curitiba promovesse a Revolta das Araucárias, o ministro Gilmar Mendes correu para quase pedir desculpas. “Quase” porque a gente sabe que deuses não pedem desculpas. Ele explicou que usou uma metonímia (olha só que chique!) e que só estava se referindo ao pessoal com sotaque leitE-quentE dá dor de dentE da Operação Lava Jato. Ah, bom.
E também “que pena”. Porque eu queria encerrar esta crônica convidando o ministro a vir passear em Curitiba. Quem sabe não comemos um pernil com verde na rua XV. Ou talvez carne-de-onça. Quem sabe não terminamos a noite no Gato Preto. Quem sabe não tiramos foto na Ópera de Arame. Ou, melhor ainda, no Passeio Público, ao lado do velho e mal-humorado pelicano que há anos apelidei carinhosamente de Gilmar Mendes.
Quem sabe assim o ministro não perderia o nojo dessa gente simples e de coxas brancas. Uma gente que, assim como a maioria dos brasileiros, de “fascista” só tem mesmo o desejo heterodoxo (para usar uma palavra de que o ministro tanto gosta) de ver bandido na cadeia.
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