Já na semana passada a estupidez se anunciava. Anitta, aquela que só chamo de cantora com o auxílio de aspas, foi uma das artistas engajadas numa curiosa campanha para que jovens com menos de 18 anos façam o título de eleitor. A campanha conta com o apoio informal até do TSE. Por trás da iniciativa está a ideia de que o jovem antenado e espertão não vota em Jair Bolsonaro e, por isso, vai “salvar a democracia”.
Ao ver a campanha, que contou até com a colaboração do madurófilo Mark Ruffalo, a primeira coisa que me chamou a atenção foi o desespero dessa turma que, segundo as sucessivas pesquisas, já ganhou a eleição de outubro. Ainda mais tendo Gerald Alckmin na chapa, não é, minha gente? Não faz sentido, pois, apelar assim com essa volúpia toda à experiência e maturidade (sem falar no conhecimento) dos jovens com menos de 18 anos.
Como meu colega Rodrigo Constantino já tivesse tratado do episódio, expondo até mesmo o amor antigo da esquerda pelo espírito revolucionário de todo jovem que se preze, deixei o assunto para lá. Mas tinha um festival de música no meio do caminho. No meio do caminho tinha um festival de música. E, com ele, o confronto entre o progressismo de artistas e plateia e um presidente candidato à reeleição que até agora não entendeu que tudo o que fizer será usado contra ele.
Briga de foices no escuro
Mas será que não entendeu mesmo? Claro que entendeu. E aqui vou me dar o direito a uma breve contradição. Porque os últimos três anos me levaram a crer que Bolsonaro e seu partido, ao tentarem usar a lei e o TSE que lhe é hostil para calar os gritos de ordem vazios de Pabllos Vittares, Anittas e coisas do gênero, apostam no antagonismo irracional para acirrar ainda mais os ânimos de apoiadores e detratores, obrigando-os, assim, a fazerem uma escolha entre o “bem” e o “mal”.
Ou seja, o uso do tal “arcabouço civilizatório” representado pelo conjunto das leis que regem a sociedade se transformou numa verdadeira barbárie jurídica na qual vale tudo para derrotar o adversário. Inclusive fazer uso maquiavélico do também maquiavélico Tribunal Superior Eleitoral – aquele atualmente presidido por Edson Fachin e que futuramente será comandado pelo todo-poderoso Alexandre de Moraes.
É o que acontece quando a sociedade abdica de princípios e opta por investir numa contenda estúpida. De um lado estão os artistas e a plateia, ambos inegavelmente progressistas, além de musicalmente deficientes. Para eles, a política é apenas um meio de se buscar aceitação ou, na melhor das hipóteses, um sentido para uma vida que se restringe a consumir aquilo que os faz parte de um grupo. De outro estão os que quixotescamente querem “usar o Sistema para denunciar o Sistema”. E no meio disso tudo está o Judiciário, fomentando a confusão simplesmente porque a justiça decidiu escolher um lado da disputa ideológica. E todo mundo sabe qual é.
O pior de tudo é que a demanda do Partido Liberal para impedir manifestações políticas de artistas-com-aspas, ainda que sirva (bem de leve) para denunciar a hipocrisia daqueles que pedem censura num dia e reclamam de censura no outro, é absolutamente inócua do ponto de vista eleitoral. Afinal, você conhece algum eleitor de direita ou conservador que ouça Pabllo Vittar e Anitta ou que se deixe influenciar pelas opiniões políticas deles? Você realmente acredita que na plateia havia alguém indeciso que se converteu ao lulismo só porque viu um homem de maiô exibindo uma bandeira com a cara do barbudo?
Não faz, portanto, diferença alguma o apoio inflexível dos lollapaloozeiros a Lula. Nunca fez. Nunca fará. No entanto, faz toda a diferença do mundo o partido do presidente candidato à reeleição tentar calar o “direito à estupidez” dessas pessoas. Afinal, novamente se usa o poder de coerção do Estado na tentativa de fazer prevalecer ideias que, no terreno estéril do festival de música-com-aspas, jamais frutificariam mesmo.
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