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Antes, o benefício da dúvida. Sempre. Por isso há alguns meses perguntei se o ministro André Mendonça, na época o calouro do STF, estava sendo prudente (no sentido de cauteloso, não da phronêsis) ou covarde (no sentido de fraco e frouxo, com um tantinho de parvo mesmo). Na época, defendi que o ministro estava sendo cauteloso. Que Mendonça agia como um hábil boxeador estudando a adversário. Errei. Porque a cada vez que Mendonça usa a maldita Súmula 606 para baixar a cabeça aos desmandos de Alexandre de Moraes ele está sendo (escrevo? não escrevo? posso escrever? escrevi!) covarde. Terrivelmente covarde. Tristemente covarde.
Na terça-feira (18), vimos mais uma amostra dessa covardia depois que Mendonça negou habeas corpus a um dos presos do 8 de Janeiro. O réu é Luís Carlos de Carvalho Fonseca, um contador de 63 anos, condenado por Alexandre de Moraes a 17 anos de reclusão nas masmorras do Estado, o que equivale a uma prisão perpétua, uma vez que ele só sairá da prisão um octogenário. A não ser que haja progressão de pena, mas mesmo assim. Todo mundo sabe que para um sexagenário o tempo é naturalmente mais escasso.
Nada disso serviu para sensibilizar André Mendonça, nomeado ministro do STF por Jair Bolsonaro, supostamente por influência da ex-primeira-dama. O requisito, na época, chamou a atenção: Mendonça seria “terrivelmente evangélico”. A fama, contudo, não resistiu à sabatina do ministro do Senado, quando (me lembro bem!) André Mendonça praticamente pediu desculpas aos senadores esquerdistas por ser cristão e por supostamente ter o Evangelho como bússola moral. Supostamente.
Súmula 606
A justificativa para a manutenção da prisão de Luís Carlos de Carvalho Fonseca é a mesma usada por Mendonça para negar habeas corpus a Cleriston Pereira da Cunha, o Clezão. Lembram dele? É uma mistura de falta de caráter e apego mais-do-que-positivista às regras da Suprema Corte. Não tem a ver com justiça, e sim com a burocrática Súmula 606 do STF, que impede ministros de darem habeas corpus contra decisão de outro ministro. Por mais injustas, perversas, cruéis e sádicas que sejam as decisões desse outro ministro, no caso Alexandre de Moraes.
Desde quando uma porcaria de uma súmula do STF pode se sobrepor ao conceito nobilíssimo e cristianíssimo de Justiça - essa que se escreve com letra maiúscula? Não sei, mas se alguém porventura estiver lendo este texto, peço que encaminhe a questão ao ministro André Mendonça. Só peço que ele responda a mim e aos meus leitores num português decente, e não naquele juridiquês cafona cheio de mesóclises e latinórios e que só serve para disfarçar o que vou chamar mais uma vez de covardia, porque covardia é.
Deixando de lado essa idolatria pela imoral Súmula 606, que para o “terrivelmente evangélico” André Mendonça parece estar acima até da compaixão e da misericórdia pregadas há dois mil anos por um carpinteiro de Nazaré, fico me perguntando e novamente ofereço este espaço para Mendonça explicar tintim por tintim para nós, que não dominamos os códigos da perversidade processual e agimos baseados no bom senso. Dois pontos.
Perpetrar o bem
Se Alexandre de Moraes pode passar por cima da Constituição para se dizer rei e sair por aí punindo pobres-coitados que ele considera inimigos da democracia, tudo isso “de ofício”, que se tornou apenas uma expressão metida a besta para “porque eu quero”, por que o terrivelmente evangélico André Mendonça não pode, também “de ofício”, perpetrar o bem, a despeito de uma sumulazinha qualquer?
Seria algo radical. Mas o bem é radical. A retificação de uma injustiça é radical. Mais do que isso, seria um gesto heroico porque o bem é heroico e, no Brasil das decisões autoritárias, a retificação de uma injustiça perpetrada pela instância máxima do Poder Judiciário é heroica. Heroicíssima.
Mas parece que homens como André Mendonça, uma vez conquistada a sinecura pela qual tanto ansiaram, perdem imediatamente o interesse no bem decorrente de suas ações. E, quando lhes é conveniente, justificam-se dizendo que não têm poder para ir contra uma súmula qualquer. Por (desculpe a sinceridade) covardia.
Perguntas
Por fim, preocupado com a postura encolhida e temerosa, quando não ausente e cômoda do ministro André Mendonça, deixo aqui umas poucas perguntas das muitas que passam pela minha cabeça sempre que penso em alguém que claramente poderia fazer o bem, mas não faz. Alguém que poderia aliviar a sensação de injustiça, mas não alivia.
O senhor está sendo de alguma forma ameaçado ou coagido, ministro? O senhor tem vergonha de sua fé? O senhor perdeu a sua consciência no fundo de uma gaveta aí do seu gabinete? Precisa que eu o ajude a encontrá-la? O implante de cabelo afetou sua capacidade de discernimento? Ou o senhor realmente acredita que Alexandre de Moraes é seu pastor e nada lhe faltará enquanto o senhor o obedecer?
E mais uma: seja qual for a justificativa que o senhor dá a si mesmo, como o senhor consegue dormir à noite? Se é que consegue.