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Viram que teve jornal chamando os terroristas do Hamas de “combatentes” e “militantes”? O mesmo jornal, por sinal, publicou uma longa matéria em que tenta estereotipar ideologicamente uma metrópole habitada por pessoas que cometem o “gravíssimo pecado” de levarem a fé a sério ou de lutarem contra a corrupção. Aí você junta uma coisa e outra e seu primeiro impulso é pensar que há maldade, perversidade e interesse político nisso. Não há. Porque até para praticar a iniquidade é preciso um mínimo de inteligência.
Guerras nunca têm nada de bom, mas este clima pré-apocalíptico, em que os zumbis intelectuais parecem tomar conta das redes sociais a fim de propagar justificativas pré-moldadas para a barbárie dos terroristas palestinos, me faz pensar que o conflito entre Israel e Hamas tem ao menos a virtude de escancarar o deserto cognitivo (que também é moral, sempre é moral) que nos cerca. Para quem tiver olhos de enxergar.
Veja, por exemplo, a senadora Soraya Thronicke – a Juma da política brasileira. No fim de semana, ela tirou um tempinho para refutar um supostíssimo oficial do exército que atende pela arroba de @safebrasil. Enquanto a senadora fazia lá seu discursinho demagógico, o tuiteiro foi provocar a onça com vara curta e, com a sutileza de um ministro da Justiça numa loja de cristais, comentou: “Enfim descobriu o que é terrorismo, que é muito diferente do nosso 08 de Janeiro”.
Uma lógica pura e simples que, no entanto, escapa à maioria dos meus colegas jornalistas. De volta à senadora, contudo, a onça ficou furiosa. E bicho encurralado você sabe como é que é: parte para o tudo ou nada. “Estás falando das senhorinhas fundamentalistas orando com a Bíblia nas mãos? Qualquer semelhança não é mera coincidência. É assim que tudo começa! Tente enganar outros, aqui você não tem futuro!”, escreveu ela. E vale a pena reparar na profusão de clichês e pontos de exclamação – recurso retórico e estilístico parecido com o de outra sumidade que, à nossa revelia, nos governa: Alexandre de Moraes.
Ignorância incurável
Preste bem atenção, embasbacado leitor do presente, e mais atenção ainda, incrédulo leitor do futuro. Temos uma senadora da República que faz equivalência moral entre uma senhorinha de Bíblia na mão e um marmanjo barbado fuzilando crianças. Para ela, a oração estava sendo usada para causar o mesmo tipo de dano provocado por um fuzil. E, daquele jeitão lá dela, Thronicke empina o nariz e ainda se sai com uma conclusão digna dos maiores gênios de qualquer tempo: “É assim que tudo começa”, ponto de exclamação.
Da Folha de S. Paulo à vergonha dos sul-mato-grossenses, passando pelo ideólogo de extrema-esquerda e cosplay malfeito do Barão do Rio Branco, Celso Amorim, e pelo silencioso e amedrontado ministro dos Direitos Humanos Sílvio Almeida, e sem se esquecer das feministas empoderadas e até dos cruzados-de-sofá, o que prevalece é uma indigência moral que se revela por meio da linguagem descuidada, quando não do que se convencionou chamar de espírito combativo - mas que é só intriga, barraco e maledicência mesmo.
Não é à toa que eles confundem terroristas e combatentes ou vandalismo com atos terroristas. Não é à toa que reproduzem clichês como se fossem argumentos espertinhos. Não é à toa que abusam das exclamações – principalmente o Alexandre de Moraes!!!!!!!!! Esse pessoal trata a linguagem com desleixo intencional porque trata a Verdade com desleixo. Ou porque não acredita nela. Ou porque eles têm medo, sim!, sim, morrem de medo do que encontrarão se um dia a vislumbrarem. Ou ainda porque há muito desistiram de buscá-la.
É uma ignorância incurável, sedimentada em pessoas e instituições que acreditaram quando alguém um dia elogiou seus dons cognitivos, sua capacidade de análise, seu senso crítico ou, pior, seu lugar na história. Pior e muito mais preocupante: é uma ignorância arrogante, ironicamente ignorante da própria condição – e por isso desavergonhada. E, como já dizia o poeta, não há mal pior do que aquele que não se sabe.