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Assistindo ao debate presidencial da Band e por causa dele nutrindo pensamentos inconfessáveis, me dei conta de algo que talvez pareça óbvio a você, mas que, para mim, tanso que sou, foi uma surpresa: a discussão política nunca trouxe nada de bom para a minha vida. Nada. Um nada tão absoluto e assustador que, na hora e no susto, até desliguei a televisão. Vade retro!
Tive que ligar logo em seguida porque assistir ao debate faz parte do meu trabalho. Mas naquele instante já era outro. O leitor apressado talvez pense que naquele instante me fiz isentão ou cínico – ou, pior, um horroroso híbrido entre o covarde e o niilista. Qual o quê! No instante seguinte, me entendi como uma pessoa livre. Verdadeiramente livre. Quiçá até um pouco embriagado dessa tal liberdade.
(Embriagado no sentido figurado, hein? Até porque se eu estivesse lulamente alterado é claro que em seguida a “essa tal liberdade” emendaria um “Se estou na solidão/ Pensando em você”. E agora você vai ficar com essa música o dia inteiro na cabeça).
Dizia eu, porém, que a política nunca trouxe nada de bom para a minha vida. E agora estou me dando conta de que não é bem assim. A política me rendeu uma única coisa boa na vida: a possibilidade de escrever e de usar a política para chamar a atenção do leitor para outros aspectos da vida. Como neste texto, por exemplo, em que já citei um pagode e, agora, vou falar de amizades.
Pois então: as amizades. Logo que me caiu o raio de que a política não me trouxe nada de bom, corri para me contra-argumentar com uma só palavra: amigos. Boa tentativa, superego, mas não. As amizades que fiz apenas por algum tipo de afinidade política duraram pouco. Se é que eram amizades de fato. Já os amigos que fiz mais ou menos por afinidade política se mantiveram por afinidades outras.
Pensamentos inconfessáveis
Neste momento peço licença ao leitor para dar uma guinada de 180 graus (se não me falha a matemática que sempre me falha) e falar de todas as coisas ruins que a política trouxe para a minha vida. E sou até capaz de apostar alguns centavos: para a sua também. E aqui sou obrigado a expor alguns dos pensamentos inconfessáveis que menciono no primeiro parágrafo.
O medo, por exemplo. A desesperança. E, por consequência, a perda de algo que é muito importante para mim: a fé. “Como é possível que tenhamos normalizado esse sujeito como candidato à Presidência?”, me pego perguntando-pensando. Para que não haja dúvidas: estou me referindo a Lula. Sinto um calafrio que é mais desesperança do que medo, embora seja difícil distinguir uma coisa da outra. E, quando percebo, me vejo apelando para a muleta preferida do medroso: a arrogância.
Aliás, se me permito dar uma voltinha do passado, me deparo com um jovem amedrontado e, não por acaso, com um zilhão de certezas políticas. Ele ajeita os cabelos que já lhe começam a faltar e, com a voz um pouco trêmula, pergunta com indisfarçável soberba: “Como assim você não enxerga o óbvio?!”. E lá se vão a esperança, a coragem, a humildade, etc.
A política é cruel com a gente e a gente nem percebe. Ela nos trata como cidadãos, e não como seres humanos. (E se você perguntou "tem diferença?" é porque a coisa é séria). Pior ainda é a política profundamente contaminada pelo socialismo, como a nossa. Ela nos trata como cidadãos superficiais e de interesses homogêneos, todos prestando a devida referência ao semideus da moda, seja ela a educação, a saúde ou a segurança. Ou o PIB, o câmbio, as reformas. Ou, ou, ou.
Não que eu continue defendendo a alienação política que tanto defendi na minha fase libertária. Pelo contrário. Foi justamente por ver o estrago que a política pode fazer na minha alma e na alma das pessoas que me cercam é que abandonei a doce utopia libertária e me tornei o que sou hoje: alguém que assiste a um debate entre dois candidatos à Presidência e não mais pergunta “Como assim você não enxerga o óbvio?”, e sim “Por que é que você não enxerga o óbvio?”.
Para você talvez essa seja uma mudança, well, óbvia. Para mim (já disse que sou tanso?), contudo, ela é surpreendente. Porque pressupõe uma capacidade de tentar entender o outro que, sinceramente, não sei se tenho, embora eu me esforce bastante. Mas olha eu aqui me contradizendo de novo e me deparando com algo de bom que a política, por vias tortas, me trouxe.
Moral da história: nunca diga nunca nem nunca use frases taxativas. No final das contas, tanto uma coisa quanto outra servirão apenas para expor sua [minha] incapacidade de se desviar das armadilhas da política comezinha para contemplar a vida que o preenche e o cerca.