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Sejamos generosos. Generosos ao extremo, talvez. A decisão do STF que equiparou a homofobia ao racismo tem seu quê de boa intenção. A ideia é proteger uma minoria historicamente oprimida. E ruidosa. E cuja causa há não muito tempo contava com a simpatia da população. Oquei. Apesar das discordâncias, ninguém quer ver um homossexual submetido a qualquer tipo de violência – por ser homossexual ou por qualquer outro motivo.
Mas o Supremo talvez tenha exagerado na dose. E, como sempre acontece nesses casos, uma decisão bem-intencionada, mas baseada em premissas e estatísticas duvidosas, quando não falsas, prejudica justamente aqueles que tenta proteger. A realidade, quando confrontada com esse tipo de situação, tende a se impor. Para além da crença positivista no poder da lei para moldar a sociedade.
Sinal disso foi uma conversa que tive com alguns empresários recentemente. Um grupo bastante heterogêneo. Tem até petista no meio. E, pasmem!, tem até homossexual. Entre canapés e taças de vinho (eu bebia água porque estava dirigindo), entre risadas e algumas conversas que ameaçavam se transformar em discórdia, mas sempre acabavam em abraços ou num educado “com licença, preciso ver se estou na esquina”, falávamos da dificuldade de se conseguir mão de obra em algumas áreas. Ou melhor, eles falavam e eu ouvia.
Um xará cujo sobrenome evidentemente não mencionarei estava revoltado não só com a decisão do STF, mas também com a própria virulência dos grupos identitários. Antes de explicar por que não contratava nenhuma pessoa que pudesse parecer militante identitário, ele contou que, em plena década de 1980, se recusou a demitir um funcionário “acusado” pelos demais colegas de ser portador do HIV.
Temeroso de ser confundido com um homofóbico de verdade, agora o xará se recusa a contratar pessoas que ele vê como “passivos jurídicos ambulantes”. Ou seja, pessoas cuja postura vitimista e beligerante na vida privada possam representar alguma ameaça à segurança jurídica e financeira da empresa. “É uma pena”, conclui o pesaroso xará que enfrenta dificuldades para contratar jovens.
Na mesma roda de conversa, F., também empresário, mas assumidamente petista, diz que infelizmente não dá oportunidade a jovens gays e que vê com receio a contratação de jovens negros. Nada a ver com a orientação sexual ou a raça, garante ele, e não tenho por que duvidar. Afinal, F. é gay e negro e tem umas histórias bem pesadas para contar sobre o que passou quando mais jovem.
A justificativa é a mesma do xará: passivos jurídicos ambulantes. Pessoas que têm o potencial de recorrer à justiça ou, pior!, ao justiçamento das redes sociais por causa de uma piada, de uma palavra ou uma ordem dada num tom que o funcionário pode considerar ofensivo à sua orientação sexual, raça ou preferências políticas. Quando alguém contra-argumentou que bastava evitar piadas ou cuidar do tom de voz, optando pelo silêncio eficiente ou pela objetividade profissionalíssima de um e-mail, F. explicou que na prática a teoria é outra. “A queda na produtividade dos outros funcionários, trabalhando num ambiente hostil e de silêncio imposto, não compensa. A conta simplesmente não fecha”, explicou F.
Mas não é só o identitarismo progressista que prejudica os que procuram emprego. No atual cenário de polarização política, os empresários têm evitado também a contratação de bolsonaristas e petistas convictos. “Isso afeta o trabalho em equipe. Não quero pessoas que se odeiam por política envolvidas num mesmo projeto”, me disse outro empresário cuja inicial vou ficar devendo porque não o conheço e, quando fui perguntar, ele já tinha ido embora.
Sem querer ser mais chato do que sou, perguntei aos empresários qual seria a solução para este nó górdio. A improvável reversão da trapalhada suprema ajudaria, mas não resolveria um problema que é de ordem individual. “Essa geração vai ter que entender que não é o centro do Universo”, disse o xará. Que, por sinal, é mais velho e adora falar que essa geração isso, essa geração aquilo. F. vê a solução no que chama de “politização comedida”: a capacidade de ter uma postura ideológica sem politizar e/ou judicializar todos os aspectos da vida. Ou seja, nada que possa ser feito de um dia para o outro ou resolvido por meio de uma canetada.