Nenhum animal sai ileso de uma briga de galo.| Foto: Bigstock
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A semana passada terminou com mais uma troca de farpas entre o presidente Jair Bolsonaro e o STF, na figura do ministro Luís Roberto Barroso. De um lado, Bolsonaro (não sei se por incapacidade retórica ou por uma genialidade inacessível no xadrez 4D da política) disse que não haverá eleições em 2022 se não for totalmente descartada a hipótese de fraude e, como um hipopótamo numa loja de cristais, chamou Barroso de “imbecil”. Do outro, Barroso acusou o presidente de crime de responsabilidade, passível de impeachment.

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Como sempre, houve gritos de “inaceitável!”, “intolerável” e “inadmissível!” – tanto para a fala ameaçadora de Bolsonaro quanto para a sentença precoce de Barroso. A tal ponto que, na noite de sexta, me pus a perguntar para os amigos se eles achavam que, nessas condições, haveria uma saída democrática para o caso de um processo de impeachment ou de uma derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. Ou para o caso de o STF assumir de vez que é ele quem manda no país.

Aí me dei conta desse processo já antigo de aceitação do inaceitável, de tolerância do intolerável, de admissão do inadmissível. Quando isso teve início? Terá sido com a estratégia maquiavélica do PT, segundo a qual vale tudo e qualquer coisa para se alcançar o poder? Terá sido antes, no Pleistoceno? Terá sido com a atual retórica de confronto de Jair Bolsonaro? Ou será que começou justamente quando dizer que algo é inaceitável, intolerável e inadmissível se transformou, por força da lei, em crime de ódio?

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(Em tempo: levando em conta os personagens que ainda atuam em Brasília, localizo o momento “exato” em que o inaceitável, intolerável e inadmissível passou a ser aceito, tolerado e admitido naqueles embates constrangedores entre os ministros do Supremo Tribunal Federal, no meio do julgamento do Mensalão. Lembro-me perfeitamente de estar assistindo àquele espetáculo e pensar: “alguma coisa se quebrou aqui”. Mas essa é uma visão muito particular minha).

Quem quer que tenha começado essa briga no parquinho, o fato é que ela corroeu para sempre os alicerces da nossa democracia-de-palafita. Quero dizer, sei que o para sempre sempre acaba, como dizia o compositor chato, mas enquanto isso o estrago estará feito. Não é à toa que tanta gente tenha começado a temer que esteja em curso um processo revolucionário à direita ou à esquerda. Quem planta o inaceitável, colhe o inacreditável.

Quando se passa a aceitar o inaceitável, tolerar o intolerável e admitir o inadmissível, instaura-se um regime de força incapaz de esconder os caninos, por mais que eles estejam por trás da focinheira das belas palavras que sustentam o Estado de Direito. Nesse regime de força, quem manda é a retórica, cujo objetivo não é nem tanto ocupar temporariamente o poder, e sim roubar do homem comum a alma, a capacidade de confiança e, no extremo, até seu senso de realidade.

É o que vemos hoje em dia, por mais inacreditável que pareça. Por preguiça ou descuido, não sei, tornamos aceitáveis, toleráveis e admissíveis argumentos para os quais, anteriormente, havia um limite claro, baseado não na lei, e sim na honra. E, assim, transformamos qualquer discurso panfletário mal disfarçado em arma retórica válida, como se a mentalidade panfletista não se resumisse sempre a uma paixão irracional por uma causa imoral qualquer.

Esta não é, repito, uma marca do nosso tempo. Só temos o azar de vivermos na foz desse rio que nasce lá nas montanhas da ignorância e da arrogância de nossos antepassados. Resta saber o que faremos daqui por diante. Insistiremos em lutar contra o que julgamos mau usando as armas determinadas pelo próprio diabo? Seguiremos derramando gasolina no circo em chamas? Ou será que, milagrosamente, alguém um dia conseguirá expor o caráter inaceitável, intolerável e inadmissivelmente suicida da chamada guerra cultural?

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E, só porque não quero terminar o texto com ponto de interrogação, digo que o inacreditável pode ser mágico e fascinante, mas também pode ser uma perversão diabólica da realidade, daquelas que sempre acabam com alguém de joelhos, sentindo na nuca o cano frio do fuzil inimigo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]