Toc, toc, toc. Deusolivre. Vira essa boca pra lá. T’esconjuro. Provavelmente é assim que reagem aqueles que leem a pergunta que está no título deste texto: e se a morte chegasse para você hoje? Porque ninguém quer pensar na morte e a simples ideia de que ela possa nos chegar assim, no meio da fra—. A simples ideia de que ela possa nos chegar hoje mesmo nos soa como urucubaca. Uia! Deu até um calafrio agora.
Ah, e se...!
Não é. E vou aproveitar a proximidade do Dia de Finados para lhe propor também essa reflexão que, se te conheço um pouquinho, sei que você anda adiando. Afinal, ninguém gosta de pensar na morte, já disse. Antes, porém, permita-me dar o devido crédito ao padre Paulo Ricardo, que publicou a pergunta no Twitter e me levou, naquele dia, a parar tudo o que eu estava fazendo para me perguntar: e se? Ah, e se...!
Demetri Martin
Na hora me lembrei de algo que li num dos livros geniais do também genial e multitalentoso, ainda que esquerdista e provavelmente ateu, Demetri Martin. Num texto ou desenho, não lembro, ele fazia uma pergunta aparentemente à toa: qual a última marca que você deixaria neste mundo se a morte lhe chegasse hoje. Adaptando à memória e ao contexto atual, a enquete ficaria mais ou menos assim:
Enquete
Logo você
Demetri Martin, é claro, exclui intencionalmente as marcas positivas que cada um de nós deixa no mundo todos os dias. Mas, até onde entendo, a ideia não é dizer que não há marcas boas deixadas por pessoas também boas; a ideia é fazer o leitor pensar que, se a morte lhe chegar assim, de uma hora para a outra, esses surtos de revolta, indignação e, convenhamos, perversidade podem se tornar a última coisa que você fez nesta vida. Suas últimas palavras, aquelas que ecoarão pela Eternidade – já pensou?! Logo você, que cultiva uma imagem tão generosa de si mesmo...
Vigilantes
De volta à pergunta do padre Paulo Ricardo, e aproveitando que sábado (2) é Dia de Finados, convém lembrar que sob cada túmulo do cemitério (ou dentro de cada urna para cinzas) jaz uma pessoa que teve seu último dia, sua última palavra, seu último gesto, seus últimos pensamentos. Se eles foram bons ou ruins jamais saberemos – ou saberemos um dia, para os que creem. E é justamente por isso que somos aconselhados a nos mantermos vigilantes.
Pregação
O bem nunca deve ser deixado para amanhã. Nem o perdão e muito menos a humildade de se reconhecer finito. Por isso, correndo o risco de encerrar este texto como se fosse uma pregação, aproveito para sugerir que no sábado você não se contente em prestar homenagem aos mortos ou de alguma forma celebrar seus ancestrais. Não. Aproveite o momento para se lembrar de que um dia a morte também chegará para você. Pode ser daqui a muitos anos. Tomara que seja. Mas também pode ser quinta-feira que vem, às 16h47.
Hoje
Por isso, faça o bem hoje. Opte sempre pelo que seu coração sabe ser o certo. Perdoe, perdoe a rodo, perdoe pelos cotovelos, perdoe no atacado – mesmo e principalmente aqueles que você considera indignos do seu perdão. Agradeça pelo ontem, o hoje e o amanhã – se Deus quiser e ele há de querer. Seja generoso e misericordioso para com aqueles que você considera idiotas – provavelmente eles pensam o mesmo de você. E reconheça-se finito e infinitesimalmente minúsculo nesses seus ridículos delírios de imortalidade e grandeza.
Vira essa boca pra lá!
Agora me deixe apertar o botão “PUBLICAR” de uma vez por todas. Gesto que faço com um indisfarçável sorriso de felicidade porque, se a morte me chegar ainda hoje, antes do jantar (toc, toc, toc, deusolivre!, vira essa boca pra lá!, t’esconjuro!) ou agora, já, neste exato momento, este texto terá sido a úl———————————————.
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