Diante da proximidade do Natal e do Ano Novo, muita gente já começa a reclamar da presença do cunhado petista ou da tia bolsonarista à mesa. “Como é que eu vou suportar essas pessoas?”, pergunta-se no atacado. O que no varejo se traduz em “Sou incapaz de conviver com quem pensa diferente de mim”. E é nesta hora que o parágrafo é interrompido por alguém que grita: “E desde quando petista pensa?!”. Começou.
Brincadeiras à parte, a verdade é que as desavenças políticas têm causado um estrago nas famílias por esse Brasilsão de Meudeus afora. O que, pensando bem, talvez seja o objetivo de quem fomenta a discórdia por causa da ideologia. Por isso é preciso dar uma de quem acha que sabe o que é preciso para dizer: é preciso resistir à tentação de dizer que o cunhado é parasita (embora talvez seja; não conheço seu cunhado) ou que a tia é fascista (improvável que seja, embora eu também não conheça sua tia e, por isso, não possa botar a mão no fogo por ela).
Por isso eu, que não tenho diploma de psicólogo e sou péssimo conselheiro até de mim mesmo, ofereço a vocês algumas dicas talvez óbvias (quando não estúpidas), mas sinceras, para enfrentar parentes e amigos ultrapolitizados, inclusive aqueles que se empolgam depois de alguns copos e sobem na mesa para dar soluções de todos os problemas do mundo.
Por uma questão de preferência política do autor (ainda que alguns tenham certeza de que sou um comunista infiltrado aqui na Gazeta do Povo), as dicas foram pensadas para o caso de você ter de enfrentar o primo psolista que cursa o segundo ano de Ciências Sociais numa universidade qualquer ou o tio que a vida tornou solitário, amargurado, niilista e inegavelmente petista, e que recentemente lhe disse, dedo em riste, que você é uma vergonha para a família.
1 Não tente convencer
Tem gente que se senta à mesa abarrotada de delícias natalinas todo munido de argumentos fatídicos e incontestáveis. São frases de grandes personalidades e estatísticas e referências claras ou obscuras que cruzam os ares como perdigotos destinados a convencer. Neste caso, convencer o sobrinho petista que, por sua vez, só sabe responder “Perdeu, mané. Não amola”.
Tempo, energia, amor e oportunidade de perdão desperdiçados. Porque nunca, nesses meus 45 anos bem vividos (tirando aquela fase que não gosto nem de lembrar), vi alguém convencer outro alguém a mudar de lado usando a razão. Ainda mais a razão marinada na batidinha de maracujá.
Tanto pior agora que os petistas estão todos felizes com a vitória-entre-aspas de Lula e, por isso, tripudiam. Nenhum argumento, por mais sensato que seja, será capaz de fazer com que um petista, feliz pela oportunidade de se vingar destruindo o país, mude de lado. Nenhum. Então melhor plantar no rosto um sorriso, engolir os insultos com um bom gole de champanhe e esperar a oportunidade para, a cada indicador trágico do governo Lula III, mandar um “Faz o ‘L’ agora, tigrão”.
E me passa a sambiquira do peru, por favor? Tem uva-passa neste salpicão? Hmmm. Tá delicioso, sim, vó.
2 Não tenha medo
Você tem medo e eu tenho medo. E sabe por que temos medo? Porque pressupomos maldade nos outros. Até mesmo naqueles que nos cercam e dizem nos amar. Ainda mais se por acaso esses outros nutrirem um gosto especial pelo vermelho e ficarem todo arrepiados ao ouvirem a voz rouca de certo ex-presidiário. E, no entanto, é preciso não ter medo. Logo, é preciso não pressupor no outro a maldade.
Levei algum tempo, mas aprendi: nem todo esquerdista é mau e quer vê-lo num gulag ou diante de um paredón. Pelo contrário, a maioria das pessoas é petista para, sei lá, conquistar mulheres de cabelos coloridos; para se passar por inteligentinho na bolha universitária; para irritar; para puxar o saco do chefe. Ou então a pessoa é petista porque a ideologia do partido, digamos, combina com sua personalidade parasita, preguiçosa, oportunista, venal, hedonista e autoritária.
Mas não autoritária a ponto de chancelar a perseguição aos opositores. Ainda mais quando se trata da própria família. Então, não. A nora petista não quer o seu mal. O neto petista não vai dar um tiro em sua nuca. O cunhado petista (figura onipresente, não larga do meu pé, o chato!) não vai deixá-lo à míngua comendo carne de cachorro.
3 Reconheça o orgulho ferido
A direita, esse estranho balaio de gatos diversos que inclui conservadores, liberais, antipetistas, lavajatistas, patriotas e bolsonaristas, está com o orgulho ferido. Eu estou com o orgulho ferido. E a pústula aberta verte pus toda vez que alguém tripudia e me diz que agora é Lula para valer, é comunismo na veia, o amor venceu, direitos para todos, todas e todes, basta imprimir moeda para resolver os problemas do Brasil – e outros clichês do gênero.
Mas orgulho ferido é apenas... orgulho ferido. É aquela sensação incômoda (e falsa) de que o mundo está do jeito que está porque o filho da Natasha (“O quê? O Alisson? Não me diga!”) votou no PT. Nessas horas, convém respirar fundo e se lembrar da célebre resposta de Chesterton para a igualmente célebre pergunta do “Times”. O jornal lhe perguntou o que, na opinião dele, havia de errado com o mundo. Ao que ele respondeu sem nem hesitar (diz a lenda): “Eu”.
O mal “do mundo” não está nos petistas que se fartam de peru e rabanada – enquanto têm. Digo, o mal do mundo está também neles. E em nós. Na direita e nos isentões. Até nos alienados. No final das contas, a única diferença do tio Laércio (22) para o tio Simeão (13) é que este último terá agora a oportunidade de fracassar em sua tentativa de criar um paraíso socialista no Brasil.
4 Não muda muita coisa
Embora este argumento possa soar um tanto quanto cínico, garanto que não é: se você parar para pensar, a eleição de Lula não muda muita coisa. Até porque, convenhamos, os quatro anos de Bolsonaro no governo não foi assim nenhum Paraíso para a direita, os liberais, os conservadores, enfim, todo o já mencionado balaio de gatos. As pautas progressistas mais extremas, como a legalização do aborto, foram freadas. Mas não se engane! Elas sempre estiveram por aí, tramitando nos escaninhos dos gabinetes mais sujos da burocracia estatal.
No mais, escândalos de corrupção, guerra de narrativas e decisões estúpidas são marcas de todos os governos. Desde que o mundo é mundo. Você dificilmente sofrerá mais do que sofreria num segundo governo Bolsonaro. E, mesmo que vier a sofrer, jamais poderá fazer racionalmente essa comparação. A sensação de estar vivendo num país decente é só isso: uma sensação. Aposto com você como deve ter muito cidadão suíço (supondo que a Suíça sirva como parâmetro) ou butanês descontente com o governo.
Apesar das manchetes revoltantes, seguidas pelas análises apocalípticas, a verdade é que a chance de o mundo acabar amanhã ou depois é sempre de 50%. Todos os dias. Então por que brigar com prima Janja, coitada? Ela que fique sonhando apalermada com o Paraíso comunista que jamais se realizará. Ela que solte seus suspiritos de emoção ao ver Lula subindo a rampa – sem algemas! Ela que fique no cantinho dela saboreando a ceia vegana.
5 Fé & esperança não são palavras piegas
Era para esta lista conter apenas quatro itens. Mas decidi acrescentar mais um para dizer, não!, para enfatizar: fé e esperança não são palavrinhas piegas que inflam nosso coração peludo quando as escutamos ou lemos. Pelo contrário, fé e esperança são palavras profundas, sérias e elegantes, que exigem nossa atenção sobretudo nesses momentos de conflito.
A rigor, a discórdia política nasce de um confronto de fés. E de esperanças. De um lado o cristianismo (às vezes capenga) do pai conservador. De outro o materialismo histórico ateu (histriônico porque inseguro) da sogra sindicalista. De um lado o apego à tradição como forma de viver uma vida sem tantos sobressaltos. Do outro, a ânsia revolucionária de quem sente que precisa mudar o mundo e outras quimeras do tipo.
Tenha fé. Não perca a esperança. Lembre-se de que acreditar é saber-se minúsculo em comparação com os desígnios de Deus. Por falar em fé, em geral é o nível de fé & esperança o que diferencia a direita e seu fantástico balaio de gatos da esquerda monolítica. Nós temos fé – inclusive na possibilidade da Salvação, apesar (ou por causa) de todas as atribulações.
Enquanto a eles só resta comemorar o resultado de uma eleição no mínimo ilegítima, tripudiar dos aparentes perdedores, arrotar improváveis virtudes, confiar cegamente em seus líderes, e confundir alegria fugaz com felicidade ao consultar o Diário Oficinal da União e ficar sabendo que finalmente saiu aquela verbinha para aquele projetinho.
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