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Gosto muito de contar piadas sem graça. E, de todas as piadas sem graça que eu (não) sei contar, a que mais me faz gargalhar é uma envolvendo dois distintos senhores de uma nacionalidade qualquer à qual você talvez atribua (apenas para fins humorísticos, pelo amor de Deus!) certa deficiência cognitiva.
Estavam esses dois senhores andando pela rua. Eles eram amigos, mas no íntimo desconfio que se odiavam, os dois sempre trocando alfinetadas, um querendo ter mais razão do que o outro. Não sei bem os detalhes desses personagens sem nome, mas imagino que, nas últimas eleições, um deles tenha votado em Fernando Haddad e o outro em Jair Bolsonaro. Ou que um goste mais do Piquet e o outro do Senna. Ou ainda que um se diga humanista de quatro costados e xinga o outro de utilitarista desalmado.
Enfim. Iam ambos caminhando por uma rua muito tranquila, discutindo entusiasmada e acaloradamente. "Seu negacionista!", gritou um. "Seu bibelô da OMS!", respondeu o outro. Até que, de repente, um deles, ao qual darei o nome de Xis para não ferir suscetibilidades nacionalistas quaisquer, se deparou com um monte de matéria orgânica proveniente do sistema excretor de um animal de grande porte do gênero Equus. Xis, então, percebeu que tinha diante de si a incrível oportunidade de mostrar como seu interlocutor era absurdamente estúpido, desinformado, burro mesmo, além de mau caráter - até porque, de repente, todo mundo que não concorda com a gente virou mau caráter.
“Meu caro Ypsilon”, chamou ele. E novamente vou usar aqui um nome improvável apenas para não ferir suscetibilidades patrióticas. “Eu lhe pago mil dinheiros (escudos, reais, dólares ou até bolívares) se você for até ali, pegar aquele monte de matéria orgânica proveniente do sistema excretor de um animal de grande porte do gênero Equus do chão e comer tudinho”.
Ypsilon, que vinha até então aguentando estoicamente as provocações de Xis, olhou bem para a cara do seu oponente e, diante daquele semblante insuportavelmente cínico e arrogante, mandou seu Sêneca interior para as cucuias, bateu orgulhosamente no peito e, sabendo-se o homem mais virtuoso do mundo (sua mulher o chamava de “baluarte da virtude”), pensou que mil dinheiros não eram lá muita coisa, mas o que é o prazer monetário em comparação ao prazer quase transcendental de estar com a razão?
Sem dizer nada, ele deu dois passos à frente, abaixou-se, pegou a exótica refeição com as mãos e, todo cheio de si, comeu.
Xis ficou atordoado, mas não disse nada. Simplesmente tirou mil dinheiros do bolso e entregou para o amigo. Ou inimigo. Já nem sei mais. Um tanto quanto constrangidos, Ypsilon com um hálito que definitivamente não era dos melhores, os dois seguiram pela rua discutindo alguma coisa muito importante, muito relevante, capaz de mudar os destinos do mundo mesmo – mas que por ora não me ocorre.
Até que Ypsilon avistou um monte de matéria orgânica proveniente do sistema excretor de um animal de grande porte do gênero Equus. Sentindo o tilintar das moedas no bolso e um gosto estranho na boca, ele percebeu que tinha diante de si a incrível oportunidade de mostrar como seu interlocutor era absurdamente estúpido, desinformado, burro mesmo, além de mau caráter. “Agora eu mostro para ele quem está com a razão”, pensou, para logo em seguida propor:
“Meu caro Xis, aqui estão os mil dinheiros que você me deu. Eu devolvo tudinho se você for ali e comer o monte de matéria orgânica, etc”. Xis nem hesitou. Deu dois passos à frente, abaixou-se, pegou a exótica refeição com as mãos e, todo cheio de si, comeu. Ypsilon tirou do fundo do bolso os mil dinheiros que tinha acabado de ganhar e pagou a aposta a um Xis que sorria satisfeito com a própria perspicácia e argúcia.
E os dois seguiram pela rua com suas discordâncias e provocações. A moral da piada é simples e, quero crer, óbvia. E é nessa obviedade que reside a sua graça – ao menos para patetas como eu, que riem de praticamente tudo. No final, os dois comeram a mesma refeição repugnante - e de graça.
Mas cada qual saboreando o gostinho equino-pastoril de estar com a razão.