O dólar disparou. No momento em que escrevo esta frase, por exemplo, a moeda estadunidense (contém ironia) está sendo cotada a R$6,13*. E, de acordo com uma parte da direita, esse sinal inequívoco de que a economia do Brasil ruma para uma depressão ainda pior do que a do governo Dilma é motivo para ficarmos alegres. Afinal, a destruição econômica de Lula III nos livrará da esquerda. Diante disso, pergunto: seráááááá?!
Otimismo
Não me entenda mal. Adoro um otimismo desavergonhado assim, sem nenhuma outra base que não o nosso desejo. Vejo os memes se multiplicando, os olhinhos das pessoas brilhando e o coração delas, até então vazio de esperança, se enchendo a ponto de transbordar de uma certeza: a de que, em 2026, quando o dólar estiver a R$10, Lula e sua caquistocracia serão defenestrados. E caberá à direita pôr o país nos eixos novamente.
Desculpe
Adoro, mas não compartilho do mesmo otimismo. Desculpe. E, já que estou nessa de me desculpar, quero aproveitar para pedir desculpas a quem acha que Trump vai pôr um freio nos ímpetos autoritários daquele cujo nome estou tentando evitar. E aos que acreditam, acreditam mesmo, acreditam dicumforça, que o STF recuará depois que prender o ex-presidente Jair Bolsonaro. Sim, essas pessoas existem. Aos montes. E, por mais que admire esse otimismo todo, dele não compartilho.
É a economia, estúpido!
Acontece que o famoso axioma segundo o qual, em política, o que importa “é a economia, estúpido!” só faz sentido em democracias nas quais de fato prevalece a vontade popular. Ou pelo menos nas quais a gente acredita que prevalece a vontade popular. Foi por isso que o presidente norte-americano Bill Clinton conseguiu se reeleger em meio a um escândalo sexual, enquanto Collor e Dilma, aqui nesta terra onde em se plantando tudo dá, sofreram impeachment.
Exagero?
Aí é que está. No Brasil de 2024, não vivemos numa democracia, você e eu estamos carecas de saber. Tanto que, se duvidar, amanhã ou depois o STF dará 24 horas para o dólar explicar por que anda assim tão assanhadinho. Exagero de um cronista dado a hipérboles? Acho que você mudará de ideia depois que souber que o deputado federal Zeca Dirceu, filho do próprio, protocolou junto à Polícia Federal um pedido de abertura de inquérito para investigar “a Faria Lima” por manipulação do mercado de câmbio.
Mercado malvadão
Esse é o nível da ignorância econômica e da truculência daqueles que nos governam. E não é assim apenas nos três poderes; na opinião pública (a tal da extrema-imprensa), nas agências reguladoras, nas ONGs e até entre o empresariado há quem não fique nem vermelho de dizer que a culpa pela desvalorização do real e pelo preço da picanha não é do governo ou do ministro Fernando Haddad, e sim do mercado malvadão. Bu!
Riqueza infinita
Por isso acho mais fácil o governo, com a sempre bem-vinda ajuda dos ministros do STF, criminalizar o acúmulo de capital ou tomar medidas populistas como o congelamento de preços ou o fim do câmbio flutuante. Porque, não se engane!, é com gente intelectualmente tosca assim que estamos tratando. Eles farão de tudo e mais um pouco para não terem de reconhecer que erram, erram aos montes, erram no atacado, e que são incompetentes porque tudo o que fazem se baseia na mentira marxista de que a riqueza a ser repartida igualmente entre as pessoas é infinita. Ou coisa assim.
Disfuncionalidade institucional
E, como desgraça pouca é bobagem, além da tradicional incapacidade petista para gerir uma economia de US$2,2 trilhões, ainda temos a disfuncionalidade institucional para ajudar. Ajudar a atrapalhar, digo. Ou você realmente acredita que os ministros do STF, os mesmos que passaram os últimos dois anos abusando do poder e agindo como entes políticos, correrão o risco de se submeterem a uma faxina na Corte... para proteger o poder de compra dos pobres e da classe média que eles tanto desprezam?
Por essas e outras
E é por essas e outras** que há tempos estamos falando que a democracia, a democracia de verdade, não essa democracia relativa e de araque da dobradinha STF-PT, é tão importante. Afinal, na ausência dela e à beira de um colapso econômico, só nos resta esperar que os envolvidos recuperem o bom senso que eles tiveram um dia – se é que tiveram. O que, na atual circunstância, me parece muito improvável.
Asteriscos
* Cotação do dólar às 14h36 do dia 17 de dezembro de 2024. Caiu um pouquinho. Algumas horas antes o dólar chegou a ser cotado a R$6,20.
** 🎵 Que a minha saudade faz lembrar/ de tudo outra vez 🎵
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