Dando prosseguimento à Semana das Obviedades Necessárias, é com duvidoso prazer que este espaço recebe hoje Alexandre de Moraes. Ministro do STF e vilão de história em quadrinhos nas horas vagas, ele acaba de sentenciar uma mulher de 57 anos, avó e cuidadora de um rapaz com problemas mentais, a 14 anos de cadeia por participação nos atos de 8 de janeiro. Sim, você leu certo: catorze anos.
Mas a obviedade, neste caso, não está na cotidiana vilania alexandrina. Nem na submissão covarde dos demais ministros do STF. Nem no silêncio da imprensa, oh, sempre tão preocupada com os direitos humanos e outras histórias da carochinha. Não! A obviedade está naquilo que os ministros da Suprema Corte fazem questão de ignorar. Uns porque esqueceram e outros porque lhes é conveniente esquecer: a Justiça não existe para punir com rigor nem para absolver laxativamente; a Justiça existe para ser justa.
Essa é uma daquelas verdades que independem de lei, porque está gravada em nossa alma. O ser humano não precisa de códigos, latinórios, mesóclises, comentários na Globonews nem mesuras jurídicas para ansiar por justiça, subtipo justa. Justíssima. Nem para perceber quando uma injustiça está sendo cometida. O ser humano (inclusive o que resta dele em Alexandre de Moraes) sabe, simplesmente sabe, quando está sendo justo ou injusto. Sabe quando está sendo bom e quando está sendo mau. Sabe!
Tão ou mais revoltante e imoral (revoltante porque imoral) é a atuação de Alexandre de Moraes e dos demais ministros do STF neste caso se levarmos em conta que o Supremo Tribunal Federal é a instituição que, na teoria, tem a função de proteger o homem comum (eu, você e a dona Jupira) do poder imensuravelmente maior do Estado, quando este se torna um ente opressor. Esse era o STF, aliás, que a gente respeitava sem ninguém precisar obrigar. Ou melhor, sem que o respeito nos fosse tirado à força, por coação ou intimidação.
Só que ninguém conseguiu prever que um dia essa Casa tão nobre e de espírito elevado pudesse ser habitada por inquilinos tão baixos, a ponto de transformarem a Justiça em instrumento de vingança.
A Arte de Ser Justo
Não por acaso, no tempo em que o STF cumpria suas atribuições constitucionais, falava-se no habeas corpus como a ação mais nobre dos ministros. Por aí já dá para se ter uma ideia do nível de corrupção jurídica e moral a que estamos submetidos. Afinal, hoje os membros da Corte, sem nenhum pudor e com a conivência dos garantistas de ocasião, estejam eles na imprensa ou por aí, ostentando sua carteirinha inútil da OAB, agem como vítimas, investigadores, promotores, juízes, executores e carcereiros de cidadãos comuns, como a já citada dona-de-casa Jupira Silvana da Cruz Rodrigues.
E não se deixe enganar: Alexandre de Moraes e seus fiéis escudeiros dentro e fora do STF, sobretudo na imprensa e nas bancas omissas, agem de caso pensado. Eles sabem muito bem que a dona Jupira não oferece nenhum risco ao Estado. Mais do que isso, sabem que ela não estava envolvida em nenhuma tentativa de golpe. E, como se não bastasse, sabem que o dano causado pelos participantes da balbúrdia patriótica daquele 8 de janeiro de 2023 se limita a algumas vidraças e móveis quebrados, pichações e escatologia - tanto no sentido teológico quanto fisiológico.
Ainda assim, se eles preferem a injustiça indigna à Justiça-com-jota-maiúsculo, que é sempre magnânima e sábia, ainda mais em se tratando de uma senhorinha, avó de quatro netos e cuidadora de um rapaz com transtorno mental, é porque não têm compromisso algum com aquilo que os positivistas chamam de Ciência do Direito e eu, que não sou nada, chamo de A Arte de Ser Justo. E, se der um tempinho, Sábio. Não, eles não almejam a sabedoria. Eles dão de ombros para a honra. Eles zombam quando evocamos a virtude - família da qual a Justiça, ao lado da prudência, da fortaleza e da temperança, faz parte.
Cães de laboratório
“Como um homem desses consegue dormir à noite?” – talvez você esteja se perguntando. Ao que eu responderia citando uma famosa marca de ansiolítico. Não sem aproveitar a oportunidade para emendar uma pergunta que me intriga mais do que o sono supremo: como um homem desses consegue encarar o espelho?! Ah, que tolo eu sou! É óbvio que uma alma dessas há muito tempo desistiu de prestar contas a si mesmo, quando mais ao Criador.
Assim como desistiram a imprensa amoral, os advogados desta nossa infeliz nação de bacharéis, os militantes dos Direitos Humanos, os políticos “de direita” e os artistas outrora transgressores e que hoje se encaixam cafonamente ao Sistema. Maria Bethânia que o diga! Essa gente jamais comporá uma música de protesto pedindo a liberdade da dona Jupira. Jamais ameaçará greve de fome por dona Jupira. Jamais falará da dona Jupira em Haia. Jamais redigirá uma só linha sobre a evidente injustiça que é a condenação da dona Jupira.
Porque eles estão tão obcecados por abstrações como Democracia, Equidade, Desigualdade Social e Estado Democrático de Direito que não enxergam: se tornaram escravos de uma ideia de cidadania cuja civilidade e altivez só existem no papel ou, na melhor das hipóteses, no semivácuo de suas cabecinhas doutrinadas. E é por isso que, para Alexandre de Moraes e seus cúmplices de injustiças no atacado, a dona Jupira, coitada, não merece a mesma solidariedade, misericórdia e compaixão dispensadas a, por exemplo, cães de laboratório, psicopatas guerrilheiros de esquerda, traficantes com consciência social ou até mesmo a assassinos de crianças.
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