A pergunta do título é retórica, mas a respondo mesmo assim: você vai dizer que virei petista. Que estou recebendo um por-fora da Secom. Que virei comunista. Que esta Gazeta do Povo deveria me demitir. Que, na melhor das hipóteses, estou querendo bancar o isentão. Pior, que virei tucano. Que esse cara nunca me enganou, eu avisei que nada do que ele escrevia era ironia. Que isso. Que aquilo. Que aqueloutro. E, no entanto, vou insistir no erro para lhe dizer novamente que Lula, o governo Lula, está fazendo uma coisa certa.
É só uma coisinha em meio a centenas ou até milhares de erros econômicos e políticos. E não é nada capaz de legitimar o governo Lula nem de me fazer vestir a estrela vermelha no peito. Nada disso! Talvez seja até um acerto sem querer, como o do proverbial relógio quebrado, sabe? Mas agora chega de suspense e ressalvas porque, antes de abrir as portas da esperança ou coisa do gênero, preciso falar sobre a ojeriza que sentimos pelos adeptos do viracasaquismo. Isto é, por aqueles que mudam de ideia a respeito de algo que nos é caro.
Viracasaquismo
“Ai, mas quem disse que eu sinto ojeriza?”, me pergunta você. Sente. Confessa, vai. E até certo ponto é normal. Peguemos o exemplo já explorado do Reinaldo Azevedo. O inventor do termo “petralha”, quem diria?!, se transformou numa espécie de porta-voz do petismo. De Lula. Diante de uma mudança tão radical, é impossível não pensar que tem algo de estranho aí. E, no entanto, talvez não haja absolutamente nada de estranho, escuso ou ilegal. Talvez seja apenas a velha alma humana desejosa de amor, reconhecimento e aceitação. Quem nunca?
Ou talvez seja só-somente-só uma mudança de entendimento do mundo. E aqui vou usar o exemplo de um amigo real, mas que prefere o anonimato porque é tímido, tadinho. Ele, que sempre se declarou liberal e teve até uma fase em que foi libertário-de-carteirinha, passou por um processo de conversão religiosa, leu alguns livros diferentes, enfrentou certas situações na vida e, por isso, hoje se diz muitíssimo mais cético em relação ao liberalismo. Isso quer dizer que ele seja comunista ou petista? Claro que não! Tá me estranhando?!
Ops. Outro exemplo bom vem aqui do lado, da minha vizinha que tem surpreendido leitores com suas críticas enfáticas e até um tanto quanto agressivas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, ao bolsonarismo e ao que ela retrata como direita fanática. Direito dela, claro. Mas vale notar que, mais do que um traço de caráter ou de estilo, a agressividade do discurso é sinal do esforço necessário para, na arena pública, botar o pezinho para além de certos limites inflexíveis impostos pelo público. Em outras palavras, como é difícil mudar de ideia!
Ah, um adendo que me ocorreu ainda agorinha há pouco no banho. Por motivos que não vou me propor a explicar aqui, muita gente pensa que preferências políticas e adesões ideológicas nascem, crescem e sobrevivem num ambiente estéril, imune às paixões da carne e da alma. Claro que não é bem assim. Eu mesmo, quando era jovem e tinha mais cabelos do que convicções, por influência feminina já me disse social-democrata e até flamenguista. Veja só.
E eu sei que todos estamos muito machucados e desconfiados. Que nos sentimos traídos quando pessoas nas quais acreditávamos “mudam de lado”. Que nos escaldamos no lavaçal da política e agora estamos com medo da água fria. Mas aí eu lhe pergunto: será possível viver numa sociedade tão rígida e incapaz de aceitar mudanças pontuais de opinião? Ou mesmo mudanças radicais – desde que humildes e baseadas em critérios outros que não o ressentimento?
Ou vai me dizer que você, é, você mesmo, não adianta olhar para o lado e disfarçar, não. Vai me dizer que você nunca mudou de opinião sobre algo que antes julgava ponto pacífico e imutável?
Vamos abrir as portas da esperança!
Agora sim. Tchan-tchan-tchan-tchan! O momento pelo qual todos aguardavam. O reconhecimento, por parte de um fascista curitibano (os piores, segundo Gilmar Mendes), de um mísero acerto do governo Lula. Estão preparados? Não. Tudo bem, meu filho, vai lá e toma uma aguinha com açúcar, então. Eu espero. Agora sim? Então simbora para o próximo parágrafo.
O acerto do governo Lula está em enfrentar o poderosíssimo lobby que, no acordo que se desenha com a União Europeia, quer impor uma política inviável de desmatamento zero no Brasil. Ao arrepio do nosso muy bueno Código Florestal e da nossa soberania. (Só isso? Só. Eu avisei que era um acertozinho assim meio à toa. Até um relógio parado, etc).
Agora, se Lula está peitando os europeus pelos motivos certos... não posso afirmar. A pulga que fez residência atrás da minha orelha diz que não. Diz que o Código Florestal talvez seja útil para, sabe como é, arrecadar um pixulequinho aqui e outro ali. Diz que talvez Lula esteja apenas vendendo caro a soberania nacional. Mas daí entramos em outra discussão – que ficará para outra hora. Uma discussão por sinal interessante, mas difícil, sobre nossa incapacidade de assimilarmos um mundo menos-que-perfeito e um país que tem um ex-presidiário na Presidência.
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