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Vocês estão achando que apenas a Daniela Lima é quem tem linha direta com o ministro Alexandre de Moraes? Tudo bem, eu também achava. Até receber uma mensagem de um assessor do ministro. A princípio, pensei que fosse um golpe desses que a gente recebe daqueles que não têm a sorte de contar com um STF amigo. Mas não. A mensagem era real e dizia que Alexandre de Moraes queria conversar comigo.
“Oba! Assim aproveito e pergunto se posso chamá-lo de ‘Xandão’”, disse. O assessor não entendeu minha dúvida e fui obrigado a esclarecer. “É que tem um pessoal com medo, sabe? Dizem que o Xandão, ops, o Moraes, ops, o Alexandre, ops, o ministro... Ah, dizem que é deboche e ele não tem muito senso de humor. E você sabe o que eu penso das pessoas sem senso de humor, né?”, perguntei, de repente me sentindo o homem mais corajoso do mundo.
Ele respondeu que sabia isso e mais um pouco a meu respeito e a respeito dos meus amigos e dos amigos dos meus amigos e. “Hoje é aniversário do Márcio. E você ainda não lhe deu os parabéns. Que mais? Aqui está o Ari Fusevick te mandando uma figurinha do Alexandre... Ou seria o Amir Khader? Eu também confundo”, disse ele. E rimos e ele me prometeu mandar o jatinho da FAB no mesmo dia.
Aos risos, me despedi da minha mulher. Mas ela só chorava e chorava e chorava e eu não entendia por quê. “Fica tranquila, benhê”, disse, dando uma janjeada na esperança de arrancar uma risadinha dela. Consegui, mas ao riso se seguiu um choro entre soluços do qual consegui entender umas poucas palavras. “Filipe... Martins... Oito... Janeiro... prisão... Bolsonaro... lançando... perfume...”, disse ela, que nunca passa frio pois está sempre coberta de razão.
Doa a quem doer
Cheguei! E o Alexandre de Moraes já está aqui na minha frente. Ele diz que me lê e ri e chora e que mais de uma vez já pensou em me prender. “Mas o Lula não deixou”, disse. E caímos na gargalhada. Como se o Lula mandasse alguma coisa nesta pocilga de país. Deixando de lado as amenidades, perguntei o que ele queria com um cronista de província como eu e ele levantou a bola redondinha para eu chutar de primeira no ângulo: “Te chamei pra você me dizer tudo o que sempre teve vontade de me dizer. Tudo mesmo. Sem medo de represália”. Não entendi e ele esclareceu: “É que cansei dos puxa-sacos e tô precisando ouvir umas verdades. Umas poucas e boas verdades”.
Enquanto um lado do meu cérebro gritava desesperadamente “É cilada, Bino!”, o outro abria uma risadinha cínica e esfregava maleficamente os neurônios, dizendo: “Agora eu se consagro”. Naquele momento, as únicas dúvidas eram se eu começava com “você só pode estar maluco!” ou “você só pode ter enlouquecido!”, e se eu conseguiria conter palavrões e eventuais insultos que me escapassem. Afinal, sou humano. E não dos mais fleumáticos.
Por fim, respirei fundo, agradeci a Deus pela oportunidade e falei. Falei da injustiça e da insanidade que era destruir a democracia para salvar a democracia. Expliquei bem explicadinho a liberdade de expressão. Falei de orgulho e, se não me engano, até usei certo a palavra “húbris”. Citei de Nietzsche a Santo Agostinho. Até Caetano Veloso eu trouxe para a conversa. Alertei, avisei e previ: se continuar assim, essa história não acabará bem. Se não neste mundo, no outro. Mesmo que você não acredite.
A tudo Alexandre de Moraes me ouviu sem desviar o olhar. E eu lá, explicando a diferença entre heroísmo e covardia, entre liberdade e escravidão, entre rigorismo e probabilismo, entre o fascismo real e o imaginário, entre isso e aquilo. Até que ele bateu na mesa e disse: “Chega!”. Me assustei, claro. Devo até ter soltado um gritinho. Pensei comigo que estava ferrado, mas que pelo menos falei tudo o que tinha para falar. De repente, as luzes se acenderam. Olhei para um lado e vi a detetive Olivia Benson. Olhei para o outro e vi o detetive Elliot Stabler. Aí a Catota derrubou alguma coisa no chão e eu acordei e disse: “Droga, agora vão achar que tudo foi um sonho”.