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Redes sociais e imprensa têm sido locais perfeitos para se despejar preconceito contra evangélicos.
Redes sociais e imprensa têm sido locais perfeitos para se despejar preconceito contra evangélicos.| Foto: Pixabay

Assim como muitas pessoas da minha geração, fui educado para nutrir um terrível preconceito contra os evangélicos – até então chamados pejorativamente de “crentes”. Eles eram pessoas estranhas não só por sua indumentária muito particular e pela inolvidável Bíblia debaixo do braço, mas também por falarem em línguas e, pecado dos pecados, saírem às ruas para disseminar a palavra de Cristo.

Ao contrário da homofobia, transfobia, coronelfobia e outras fobias inventadas pelos progressistas ultrassensíveis, o preconceito contra os evangélicos, a crentofobia, era não só socialmente aceito como até estimulado no ambiente acadêmico. E aqui não me refiro apenas à universidade. Nos últimos anos do ensino fundamental e ao longo de todo o ensino médio, tive vários professores que enfatizavam o que eles viam como obscurantismo e fanatismo dos evangélicos.

Por sorte, me livrei a tempo da doutrinação antirreligiosa e fui agraciado com a oportunidade de conviver com evangélicos que rapidamente desconstruíram, para usar uma palavra cara aos progressistas “iluminados”, a imagem de fanatismo, obscurantismo e, digamos, apego demasiado ao dinheiro que eu fazia desse grupo complexo, heterogêneo e muito, muito interessante ao qual damos o nome de “crentes” – palavra que perdeu seu tom pejorativo naturalmente, sem precisar de decisão do STF ou militância agressiva.

Uma palavra que o jornalista Franco Iacomini usa sem melindre no livro “Evangélicos no Brasil - De minoria invisível a movimento de transformação social”, que a Gazeta do Povo está disponibilizando gratuitamente a quem tiver coragem de desafiar seus próprios preconceitos e mergulhar nesse mundo que não é nada novo, claro, mas que é fascinante. Um fascínio do qual nós, os intelectual e espiritualmente curiosos, fomos privados ao longo de décadas.

Aliás, vale dizer que há projeções que dizem que os crentes podem, muito em breve, se tornar maioria naquele que ainda é considerado o maior país católico do mundo.

Desfazer equívocos

O autor, ele próprio mestre em teologia, traçou um retrato amplo desse estrato social que, para começo de conversa, não é nada homogêneo – como fazem crer aqueles que insistem em igualar pastores e fieis da Igreja Batista e da Igreja Universal. A ideia do livro é justamente lançar alguma luz sobre essa e outras imagens total ou parcialmente equivocadas que insistimos em fazer dos evangélicos, da fé e também da atuação política e social deles.

Como degustação, vale mencionar a visão dos evangélicos como um grupo ignorante – um preconceito que não se sustenta em números. “De acordo com dados do Censo de 2010, os índices gerais de alfabetização da população evangélica são mais altos que a média brasileira em todas as faixas etárias, exceto entre os maiores de 70 anos. A média nacional é de 89,47%, enquanto a dos evangélicos é de 91,45%”, escreve Iacomini.

A começar pela história do que aqui vou chamar de “movimento evangélico”, mesmo sabendo se tratar de uma imprecisão. Iacomini se debruça sobre as origens das igrejas protestantes, a atuação delas em territórios tradicionalmente alienados pelo Estado, como as favelas, e sobre a formação desse personagem que ainda hoje gera tanta repulsa numa elite intelectual que se recusa a enxergar a existência e a influência dele: o crente. “Crescendo à margem dos centros de decisão e, muitas vezes, na periferia geográfica do país (as histórias da Igreja Evangélica Assembleia de Deus e da Congregação Cristã no Brasil comprovam isso), eles [os evangélicos] ficaram abaixo da linha de visão da elite intelectual brasileira durante boa parte do século passado”, escreve Iacomini.

Termos imprecisos

O fato é que, antes invisível, o crente perdeu o receio de expressar tanto sua fé quanto seus valores e é hoje parte ativa na sociedade, com valores francamente muitas vezes, mas não sempre, contrários ao ideário que se convencionou chamar de “progressista”. Aliás, a minha dificuldade de usar neste texto termos precisos tem a ver justamente com a tentação em reduzir um grupo extremamente heterogêneo a um estereótipo.

E, como vivemos uma época ultrapolitizada, não dá para negar que esse estereótipo relaciona necessariamente os evangélicos a um apoio inquestionável ao que se entende por bolsonarismo – embora eu, particularmente, tenha dificuldades em apontar aspectos homogêneos que caracterizariam o apoio ao presidente. Me surpreendi e acho que o leitor se surpreenderá também ao perceber, graças ao trabalho de Iacomini, que a adesão cega dos evangélicos ao bolsonarismo não é nem tão adesiva nem tão cega assim.

Politizados, escolarizados, socialmente ativos, em busca da manutenção de valores tradicionais, preocupados com a ciência e a arte – assim são os milhões de evangélicos que se espalham pelas centenas de denominações atuantes no Brasil. Fechar os olhos para este mundo é ignorar pessoas com sonhos, anseios e esperanças que vão muito além do óbvio.

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