Desde que me foi muito bem explicada a draconiana lei eleitoral, não consigo deixar de pensar em maneiras de contornar o que vejo como uma censura velada, baseada na premissa para lá de duvidosa de que é possível criar um ambiente em que os candidatos concorram em igualdade de condições. Não é. E, aqui, peço desculpas aos técnicos em semiótica eleitoral que por ventura estejam me lendo e detectando uma crítica velada ao TSE e à nossa democracia toda perfeitinha. Eu? Magina!
Por força dessa lei confusa e asinina, incapaz de levar em conta a demanda por criatividade, humor e até rebeldia, e ainda mais num período tão tenso quanto o eleitoral, não posso escrever, por exemplo, uma crônica sobre o número primo que vem depois do 11. Sim, esse mesmo em que você está pensando: o sétimo número de Fibonacci. O sexto número primo. O número atômico do alumínio.
Por consequência, em teoria acho que não posso dizer que esse número fatídico e infeliz está associado ao azar. E não é desde 10 de fevereiro de 1980, como podem pensar os mais maliciosos. Não à toa, o filósofo grego Hesíodo, 700 anos antes de Cristo, já aconselhava as pessoas a não plantarem naquele dia do mês que sucede o 12º e antecede o 14º.
Da mesma forma, para não parecer que estou fazendo propaganda a favor ou contra um dos candidatos, como se minha lábia fosse mágica e alguém estivesse mesmo disposto a se deixar convencer por causa de uma mera crônica, não convém mencionar o número atômico do titânio, que por curiosidade também é o número de ossos do crânio humano. Não posso, portanto, escrever sobre minha predileção pelo bingo nem contar aquela vez em que ganhei um carro (de brinquedo) quando o locutor cantou “dois patinhos na lagoa!”.
Por fim, ou melhor, por semifim, já que depois do intertítulo eleitoral gratuito tem mais texto, não posso dar vazão aos meus poderes premonitórios a fim de descrever como será o dia seguinte às eleições. Tampouco posso exercer meu pleno direito à fantasia mais doida imaginando uma surpreendente vitória da Terceira Via ou daquelas outras vias tão alternativas que a gente não sabe nem o nome.
Intertítulo Eleitoral Gratuito
Outra coisa que a lei impede com veemência e, sinceramente, de uma forma até um tanto quanto grosseira é questionar o sistema eleitoral brasileiro. (O de Bangladesh pode?). Uma pena, porque ouvi dizer que o sistema eleitoral brasileiro é infalível e onisciente. “Qual o sentido da vida, ó Sistema Eleitoral Brasileiro?”, queria questionar. Queria tanto! Mas não posso. O tio do TSE não deixa.
Assim como não posso mencionar pesquisas eleitorais. Pelo menos não sem mencionar metodologia, número de registro e um monte de outras parafilias burocráticas. Mas não vale a pena se (me) irritar. Pelo contrário, o negócio é rir da ambição tola das autoridades eleitorais que, vou repetir, querem criar um ambiente impossivelmente igualitário. Sem falar que as pesquisas hoje em dia só servem para dar aquela animada no papo do boteco, depois que já conversamos sobre futebol e mulheres, digo, literatura.
Direito de resposta
As punições variam de um “ai, ai, ai, menino mau!” até cinco minutos no cantinho do castigo, multa, prisão, apedrejamento e crucificação em praça pública. Ou nas redes sociais, que seja. Mas isso não é o pior. O pior mesmo é o “direito de resposta”. Imagina que horrível ver este espaço tão bem cuidado e cheiroso de repente ocupado pelo texto de um burocrata desses que não gostam de tomar banho e não sabem onde a mamãe guardou a cuequinha, mas que querem mudar o mundo!
Agora o "por fim" é para valer. Quero dizer que, pelo andar da carruagem, daqui a duas ou três eleições é bem capaz de o TSE proibir toda e qualquer coisa que se assemelhe remotamente à propaganda eleitoral. O cidadão, todo animado para participar da festa da democracia, vai chegar diante da infalível urna eletrônica e se deparará com uns rostos e nomes a esmo. E votará com base na... intuição semiesclarecida. O que, pensando bem, é mais ou menos o que já acontece, embora finjamos acreditar que.
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