Ouça este conteúdo
A Folha de S. Paulo publicou na quinta-feira (5) uma tediosa lista com 200 (du-zen-tos!) livros essenciais para quem quiser entender o Brasil. Foram necessários os votos de 169 intelectuais (entre eles tem até ministra do STF!) para se chegar à discutibilíssima, contestabilíssima e equivocadíssima conclusão de que “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus, é o Livro Mais Importante para Entender o Brasil. Os votos eram auditáveis, Rosa Weber?
Carolina de Jesus é uma escritora esforçada, daquelas que dá peninha dizer que é ruim, mas é. As maiores qualidades dela são [aviso de palavra difícil] extrínsecas à sua obra. Sejamos francos, Carolina de Jesus é o combo ideal da literatura de lacração que forra as estantes impecavelmente organizadas dessa gente. Ela é mulher, negra, favelada e, de quebra, foi resgatada das trevas do anonimato a que estava destinada por sua condição social pela oh tão nobre arte da escrita.
Um amigo com pós-doutorado em leitura dinâmica me disse que, das primeiras cem obras citadas, nada menos do que 48 falam da questão racial. Outras 16, da questão indígena. Donde concluo melancolicamente, e sem nenhuma esperança de brilhantismo, que essa molecada-com-diploma abandonou completamente a busca pela excelência individual por meio da literatura. Sorte que Guimarães Rosa usa matutos pardos para desenvolver sua metafísica dos buritis, senão seria tão ignorado quanto Gustavo Corção ou Pedro Nava.
Meu Pé de Laranja Lima
Inspirado pela iniciativa do jornal concorrente, saí às ruas. Percorrendo esquinas e marquises, colhi a duvidosa sabedoria e inteligência de um bando de vagabundos, analfabetos, pés-rapados, ineptos e pifões para oferecer aos leitores da Gazeta do Povo uma lista dos livros mais importantes mesmo para quem quer entender o Brasil em seu elemento mais admirável e essencial: o brasileiro.
Depois de horas de muitas deliberações, palavras absolutamente ininteligíveis e perdigotos fedendo a cachaça, não cheguei a lista nenhuma. Mas, se me lembro bem, houve quem citasse “O Imbecil Coletivo”, de Olavo de Carvalho (mais ou menos de brincadeira), e “Meu Pé de Laranja Lima”, de José Mauro de Vasconcelos (mais ou menos a sério). Para piorar, tive o celular roubado durante uma confusão retórica entre uns mendigos modernistas e uns sem-teto parnasianos. Os parnasianos levavam vantagem, até que chegaram uns poetas concretos e a coisa toda descambou para a violência.
No caminho de volta para casa, e com a pontinha dos pés no mundo mais ou menos real desta crônica, fiquei vasculhando minha vastíssima e priolíssima biblioteca mental para tentar encontrar um único livro que me (nos) ajudasse a entender o Brasil. Entender o Brasil. Entender o Brasil. Entender o Brasil. O que significa, afinal, entender o Brasil? Será compreender o vizinho que pensa diferente de mim e que xingo de fascista? Significa celebrar ou se ressentir da mistura ética que torna utópica a busca pelo “brasileiro típico”? Significa fomentar a esperança colorida de um “Viva o Povo Brasileiro”, de João Ubaldo Ribeiro, ou mergulhar no pessimismo distópico de um “Admirável Brasil Novo”, de Ruy Tapioca?
Esse tal de “Brasil”
No mais, chama a atenção a presença de livros de ficção entre um Gilberto Freyre, Élio Gaspari e Laurentino Gomes. Uma prova de que os intelectuais brasileiros (ou ao menos 169 deles) abdicaram completamente da dialética interior. Da metafísica. Da busca pela grandiosidade moral e espiritual. Para eles, a literatura existe apenas como peça de propaganda capaz de “explicar” um ente político abstrato: esse tal de Brasil. E, com sorte, pintar esse ente abstrato com uma cor ideológica predeterminada.
Entender o Brasil é fácil. Qualquer Paulo Freire da vida acha que consegue. Quero ver é explicar o indivíduo, seja ele um Luciano Hang, um Guilherme Boulos ou, desafio dos desafios, um Zé da Esquina. Quero ver é esmiuçar as entranhas morais de quem sai às ruas de verde e amarelo - ou de vermelho. Quero ver é entender os sonhos e angústias dessas pessoas cansadas de abrir o jornal e se deparar com intelectuais querendo lhes dizer como pensar.