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HITLER SÃO LEOPOLDO
Hitler K. Pederssetti: “Se alguém quiser usar [meu nome] para me diminuir, para me depreciar, paciência”.| Foto: Solange Flores

E se eu lhe dissesse que liguei para Hitler? Pois liguei. E se lhe dissesse que falei com o assessor de Hitler? Pois falei. E se lhe dissesse que escutei Hitler ser consultado e responder “Passa meu telefone para ele” ao assessor? Pois escutei. E se lhe dissesse que anotei o número de telefone e que agora tenho Hitler entre meus contatos no celular? Pois anotei e tenho.

No dia e hora combinados, ligo. O telefone toca uma ou duas vezes apenas. Ele atende e eu fico ali, sem saber o que fazer. Devo agir com naturalidade, alô, senhor Hitler, etc? Ou devo...? Sem tempo para pensar numa alternativa, arrisco o senhor Hitler mesmo e vou logo explicando algo que, me dou conta agora, ainda não expliquei para você, leitor: o Hitler a que me refiro é Hitler K. Pederssetti, vereador em São Leopoldo (RS).

Hitler x Manoel Bandeira

O vereador, ou melhor, o nome do vereador chamou a minha atenção logo depois das eleições do dia 6 de outubro. Realmente não sabia que podia existir alguém chamado Hitler no Brasil – e ainda por cima alguém envolvido na política. Mas uma pesquisa rápida me informou que são 188 os Hitleres brasileiros e a maioria deles não está no Paraná, Santa Catarina ou Rio Grande do Sul – o fantasioso “sul fascista” para Giovana Madalosso. Não. O estado com a maior proporção de Hitlerzins é Minas Gerais.

O nome do vereador chamou minha atenção também porque, na eleição para prefeito de São Leopoldo, Hitler (PODEMOS) ficou à frente de Manoel Bandeira Binoni (PSOL). Afinal, não é todo dia que um poeta perde para Hitler. Mas antes que se acumulem as piadinhas com o nome do simpático vereador, permita-me responder à primeira das perguntas que tenho certeza de que você está se fazendo agora mesmo: por que esse nome?!

Nome forte

“Minha mãe escolheu o nome”, conta Hitler. Mas não foi por nenhuma simpatia à causa do líder nazista, como podem imaginar nossas mentalidades urbanas e burguesas. Foi por causa da sonoridade e da simplicidade da mãe. “Era um nome que ela achava forte”, conta Hitler, que nasceu em Chapecó, mas cuja família é da pequenina Palma Sola, na divisa com o Paraná. E agora vou aproveitar que você deve ter suspirado aliviado para esclarecer a segunda dúvida de todos os leitores: por que Hitler não mudou de nome até hoje?

Aí a história fica mais interessante. Porque todos imaginamos que uma criança chamada Hitler tenha sofrido muito na escola. Mas não nosso personagem. “Nunca tive problema quando criança. Nem na escola. E quando fui entender o que era o meu nome nada mudou. Foi sempre apenas um nome”, disse Hitler, que também é Kléber e é Pederssetti, com uma simplicidade sincera.

“Bah, que nada!”

A resposta, porém, não me satisfaz e insisto: não é possível que na adolescência esse nome não tenha lhe causado problemas, Hitler. “Bah, que nada!”, diz ele, rindo, para depois emendar sabiamente: “Nunca me senti inferior por causa do meu nome. Afinal, não tenho como controlar o pensamento dos outros. Se alguém quiser usar para me diminuir, para me depreciar, paciência. Não vou me afetar por isso”.

Hitler conta que chegou até a fazer uma viagem de mochilão pela Europa, tendo a Alemanha incluída no roteiro, sem ser importunado por causa do curioso nome. As coisas só começaram a complicar para o homônimo do austríaco de bigodinho ridículo & encarnação da maldade depois que ele começou a usar as redes sociais.

Mais liberal que de direita

“Nas redes sociais já enfrentei muita dificuldade. O Instagram demorou dois anos para verificar minha conta. Antes disso, sempre saía do ar”, diz. Mas isso já era de se esperar, porque o algoritmo é burro, desalmado e principalmente despreparado para os caprichos, as coincidências e as esquisitices da vida real. Como, por exemplo, alguém dar ao filho o nome de Hitler por causa da sonoridade.

E tudo estava indo bem, até Hitler entrar para a política. Aí a esquerda não perdoou e continua não perdoando a coincidência do nome. Hitler conseguiu se eleger vereador, é bem verdade, mas durante a corrida pelo Executivo a coisa mudou um bocado. “O pessoal dizia: ‘Bah, mas tu não vai querer votar num Hitler pra prefeito, né? Ele representa o nazismo”, conta ele, que se identifica “mais como um liberal do que alguém de direita”. E aí é aquela coisa para alguém que carrega um nome tão cheio de, digamos, bagagem: “Se alguém falar que sou nazista, não poderei me defender”.

Um novo nome para Hitler

Por isso e por causa da filhinha de pouco mais de um ano, pela primeira vez na vida Hitler diz que está cogitando seriamente mudar de nome. “Até ser pai, nunca pensei em mudar o meu nome. Mas não quero que a minha filha, que talvez não saiba lidar com a agressividade dos outros, tenha que responder a perguntas do tipo ‘Por que seu pai é nazista?’ Não quero que ela carregue esse peso”, diz. E é compreensível e é até emocionante, porque nem todos os pais estão dispostos a abdicar do nome, da sua identidade, para proteger a filha de um mundo perverso.

Hitler, porém, não pretende se tornar apenas Kléber Pederssetti. Na verdade, a ideia de trocar de nome ainda não virou decisão, muito menos plano. É algo que ainda está no reino das boas intenções, por isso Hitler ainda não sabe que nome adotará. Só espero que ele não se decida por Josef, Benito, Fidel, Nicolás, Luiz Inácio nem Alexandre. “Muito obrigado, Hitler. Foi um prazer falar com o senhor”, encerro a conversa. E foi mesmo.

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