O babado é o seguinte: Erika Hilton, parlamentar do PSOL, apresentou uma PEC que substitui a escala 6x1, isto é, seis dias de trabalho para um de descanso, pela escala 4x3, na qual o funcionário trabalha quatro dias e descansa três. A proposta de emenda à Constituição ainda é embrionária, mas causou alvoroço nos últimos dias. Tudo o que Erika (com “k” e sem acento) Hilton queria, suponho.
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Esquerda, subtipo extrema
Tudo o que Erika Hilton queria e mais um pouco. Porque a simples menção à PEC expôs uma contradição inerente à direita brasileira: de um lado, os que ainda tomam decisões com base em fatos e dados e princípios; de outro, aqueles que reagem de acordo com a popularidade da proposta. Mesmo que seja uma proposta da esquerda, subtipo extrema. E aí o pessoal se esbaldou mesmo.
Olho da rua!
Teve quem apelasse ao discurso do “trabalhe, não encha o saco e, se reclamar, está no olho da rua!” e teve quem apontasse os efeitos da medida numa economia que já sofre com baixos índices de produtividade. Alguns elogiaram a jornada chinesa como exemplo de liberdade (sim, teve isso) enquanto outros seguiram defendendo uma intervenção cada vez menor do Estado na relação entre patrão e empregado. Ou melhor, empresário malvadão e colaborador coitadinho, como dizem os sindicalistas.
Em vão
Tudo mais ou menos em vão, porque é difícil imaginar que a PEC do fim da escala 6x1 avance e, em avançando, seja aprovada. Imagine o caos! Porque só mesmo no fantástico mundo do PSOL é que a economia suportaria uma medida radical como essa. Por outro lado (daí o mais ou menos), a PEC oportunista serviu para observarmos até que ponto a direita absorveu toda a educação econômica liberal informal que recebe pelas redes sociais e publicações como a Gazeta do Povo.
Vocação
E até que ponto prevalece no Brasil a visão do trabalho como algo até indigno do ser humano. Como uma exploração e um castigo. Sobre isso, já percebi que vou divergir da maioria. Mas paciência. E não é apenas uma questão de dizer que gosto de trabalhar para ficar bem na fita com o chefe. É que vejo o trabalho como uma oportunidade diária para fazer o certo. Para fazer o bem e amar (sim, amar!) tanto os amáveis quanto os não-amáveis. E para usar o dons que recebi de Deus para exercer a minha vocação.
Frescura de comunista vagabundo
Mas esse sou eu e é uma pena que a ideia marxista do trabalho como uma exploração e um castigo ainda tenha tanto apelo entre a direita. Aliás, não sei o que é pior: o apego à visão marxista do trabalho ou a aderência recente a um ultraliberalismo desalmado, que vê o ser humano apenas como meio para se alcançar algum fim, geralmente o lucro, e para o qual esse negócio de saúde mental é “frescura de comunista vagabundo”.
Contradições
Não é, claro que não é, e as contradições inerentes ao capitalismo mais-que-imperfeito deveriam ser preocupação de todos. Por falar em contradição, você sabe que a que mais me interessa é a humana. Essa mesma que é capaz de desejar prosperidade num dia, reclamando dos gastos públicos e do Haddad e do dólar e do sei lá mais o quê, para no outro sonhar com três dias de ócio na semana.
Pergunta-se
É por causa dessa contradição ambulante que somos todos que, no texto de hoje, pergunto o que você faria caso a PEC fosse aprovada e você passasse a ter três dias de folga na semana. Afinal, muita gente que diz que adoraria sextar na quinta-feira não tem a menor ideia do que fazer com o tempo livre. Descansar? Estudar? Fazer trabalho voluntário? Trabalhar informalmente em outra atividade, para complementar a renda? Cuidar da casa e se dedicar à família? Ou curtir a vida adoidado?
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Sei...
Sério, leitor amigo? Então quer dizer que você pretende aproveitar o tempo livre excedente para estudar na sexta, fazer trabalho voluntário no sábado, e ir à Missa e descansar no domingo, o tempo todo cuidando da família e até fazendo o que quer que a sua mulher esteja lhe pedindo há seis meses? Sei. Ou melhor, sabemos. [PISCADINHA]
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