Comecei a assistir à série Cobra Kai, que retoma a história de Daniel LaRusso em Karatê Kid. Reconheço, um tanto quanto constrangido, que fui movido um pouco pela repulsiva nostalgia e consequente idealização de um tempo falho como todos os outros. Mas também fui movido por algo que me fascina há tempos: o que acontece aos personagens depois que a cortina se fecha, as luzes se apagam e os créditos sobem.
A série é bastante feliz neste sentido. Ela bebe dos lugares-comuns mais óbvios (com o perdão pela redundância) para mostrar um Daniel LaRusso bem-sucedido, talvez prova da ética do trabalho aprendida com o saudoso Sr. Miyagi, e um Johnny Lawrence na pior, também por consequência dos valores aprendidos na juventude. “O menino é o pai do homem”, diz Machado de Assis, se não me engano em Dom Casmurro. É uma ideia que Cobra Kai desenvolve com leveza – ainda que a nostalgia, repito, me incomode um bocado.
Se bem que a série não se debruça sobre essa nostalgia. Ela deixa para o espectador idealizar ou não o passado recente que parece muito distante. Na época de Karatê Kid, por exemplo, a maior ameaça econômica aos Estados Unidos era o Japão – lugar hoje ocupado pela China. Há 34 anos, a violência entre os jovens era uma espécie de rito de passagem. E ninguém jamais pensaria em acusar o Sr. Myiagi de “abuso psicológico” por fazer o aprendiz de carateca encerar sua coleção de carros antigos.
É comum nos lembrarmos desse tempo com um suspiro daqueles que vêm lá do fundo do peito. Ah, antigamente que era bom. E era bom como qualquer tempo. Bom, não perfeito. Não melhor, embora com coisas melhores. Não pior, embora com coisas piores.
Os advogados da decadência inequívoca da Civilização Ocidental costumam apontar as redes sociais como a causadora de “tudo isso que está aí”. Para eles, se tivéssemos Internet, mas não Twitter, Facebook, Instagram e YouTube, seríamos inegavelmente felizes. Estaríamos resolvendo nossas diferenças com golpes da garça, e não com hashtags, apelidos desumanizantes, cancelamentos e outras trapaças do gênero.
E há dias em que é difícil mesmo não dar razão a esses luditas contemporâneos. As redes sociais são, de fato, uma torneira da qual jorram zilhões de metros cúbicos de chorume. Mas elas também permitem que tomemos conhecimento de histórias como a do jovem bailarino nigeriano Anthony Mmesoma Madu.
Madu, de apenas 11 anos, foi filmado (não sem uma boa dose de sentimentalismo, mas Deus me livre ceder a esse cinismo!) fazendo piruetas sob a chuva e descalço num piso de concreto. O vídeo teve mais de 20 milhões de visualizações e culminou com o convite para que o menino fosse estudar balé em Nova York. Como alguém que adora histórias de superação (ou que parecem histórias de superação, afinal sou um crédulo), recebi a notícia com a esperança de que Madu seja mais do que um personagem bidimensional num vídeo do YouTube.
Se ele vai mesmo, se se adaptará à cidade, se será bem-sucedido nos palcos, se será vítima de racismo ou discriminação, se se transformará num Nijinsky de Ébano, bom, essas são histórias para depois dos créditos.
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