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Itamar Vieira Jr. é o nome dele. E aqui eu já emendaria dizendo que se trata de mais um ilustre membro da família Jr., da qual faço parte. Os problemas são dois. O primeiro é que já fiz essa piada e fui corrigido. Aparentemente Jr. não é nome de família. Como assim não sou primo do Fabão? Humpf. O segundo é que escritor não é muito chegado a críticas e, para se defender delas, vai logo dando carteirada identitária.
“Nunca vi tanto ódio direcionado a um autor”, disse ele outro dia, enquanto lambia as feridas deixadas por uma única crítica (bem amena, por sinal) feita ao seu mais recente romance – aquele que não vou ler e por isso nem faço questão de pesquisar o título. Nunca viu porque não conhece literatura, né? E ele disse mais. Disse que as críticas a seu trabalho são racistas, colonizadoras, patriarcais ou [insira aqui a palavrinha da moda]. Afinal, as palavras parecem ter perdido o sentido mesmo. Até para os escritores.
No mundinho literário, as palavras do torturado autor de “Torto Arado” (pescou? pescou?) geraram uma mistura de espanto, depressão e enfado. Espanto porque nunca antes na história deste país se viu um escritor choramingar tanto por uma crítica negativa. Algo que faz, ou deveria fazer, parte da vida de qualquer escritor. Por melhor que ele seja ou se considere. Depressão porque é deveras triste ver um escritor com “e” tão minúsculo a ponto de se dizer vítima de “estruturas que fizeram meu corpo ser alvo de violência mais uma vez”. Por causa de uma resenha literária no país onde o livro mais vendido do momento é sobre coprofilia! Coprofilia! Enfado porque sim.
E aí num adendo a este primeiro bloco eu estava aqui pensando que um mau escritor é digno de reprimenda (na forma de críticas literárias) justamente porque corrompe a linguagem. Porque vilipendia a palavra. Mas ainda pior é esse mau escritor que insiste em ter reconhecida a grandeza do seu nanismo literário. Que insiste em implorar que reconheçamos sua capacidade de corromper a linguagem. De vilipendiar a palavra. Nem a pau, Juvenal!
Stalinismo literário
E assim íamos conversando. Cada qual contando suas experiências com as críticas negativas. Em comum, todas as histórias tinham o aprendizado de que o crítico às vezes tem um pouquinho de razão. Às vezes muita razão. E de que o criticado reage sempre movido pela vaidade, essa diabinha. Daí alguém se levantou e decidiu que era hora de uma afirmação digna de almanaque: como é frágil essa identidade dos identitários. É mesmo – respondemos todos em silêncio uníssono, meneando discretamente a cabeça.
Foi então que Outrem (primo distante do Alguém) mencionou o livro de memórias de Jorge Amado, “Navegação de Cabotagem”. E, não contente, cunhou ali, num espasmo de criatividade, o termo “stalinismo literário”. Para se referir ao mundinho frequentado por Jorge Amado e outros escritores comunistas no século XX. Um ambiente duro, vaidosíssimo, mas também inteligente e talentoso.
A ironia não me escapa. Hoje, o escritor de esquerda, que se aproveita de uma máquina de propaganda semelhante àquela que tornou Jorge Amado um autor de renome internacional, cogitado até para o Nobel, é incapaz de sobreviver a uma mera crítica negativa sem recorrer ao jargão vitimista. Sem se dizer vítima de ódio e de violência contra o corpo. Que corpo, rapá?!
Imagino a nova coqueluche (cof, cof) da literatura que ninguém lê no meio de Jorge Amado e Graciliano Ramos. Numa briga com Joel Silveira. Numa discussão com Marques Rebelo ou Hélio Pellegrino. Coitado. Teria sucumbido à fúria daqueles comunistas linha-dura que, entre um livro e outro, se digladiavam não apenas pelo prestígio, mas também pela própria sobrevivência, uma vez que eram alvo de perseguição e violência reais. E não de oh, palavras ferem, buááá! Que ora se elogiavam, ora se criticavam, não raro usando as palavras mais chulas do dicionário. Que num suplemento literário eram chamados de gênios e noutro, só pela graça da coisa, de itamares.