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Polzonoff

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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

República de Curitiba

Manifestação pró-Dallagnol: você está interessado ou já desistiu?

Manifestação Dallagnol
Aqui deste meu cantinho eu só ouço e observo. (Foto: Paulo Polzonoff Jr.)

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Como havia prometido há uma semana, fui à manifestação pró-Dallagnol e aqui faço uma relato, não uma análise, do que vi lá. Resta saber, claro, se você está interessado em saber como foi o evento. E nesta minha hesitação está embutida uma observação importante sobre o ato (não gosto de “o ato”; parece outra coisa). É que, diferentemente das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, desta vez havia no ar um quê de... Não vou dizer derrota. Estava mais para resignação. Um desconsolo. Mas me adianto. Deixa eu contar desde o começo como foi. Ou seria como fui?

Vergonha na cara

Fui a pé. Moro perto. E, no mais, gosto de observar as coisas para dar um tom dickensiano a este relato apressado. “Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da razão, a idade da insensatez, a época da crença, a época da incredulidade”, plagiaria eu, se não tivesse vergonha na cara. Mas tenho.

Fora, PT!

Era, pois, um daqueles dias mais-que-perfeitos de outono: temperatura que justifica qualquer superlativo sintético e céu sem nuvens. As ruas tranquilas e as calçadas vazias. Já chegando mais perto da manifestação, ouço berros indiscerníveis. Passa por mim um motoqueiro todo paramentado de verde e amarelo. Na quadra da praça Osório, as crianças jogando futebol emendam o coro de “Fora, PT!”. Parece promissor.

Parágrafo fora de ordem

Este parágrafo era para estar lá no fim do texto. Mas como muita gente não tem tempo nem paciência para chegar até lá, resolvi adiantá-lo para dizer que:

Qualquer cinismo que possa ter se apoderado de mim ao longo das quase duas horas em que fiquei de pé ouvindo palavras de ordem que hoje me soam inócuas se esvaiu ao ver uma senhorinha cantado o Hino Nacional com a mão no peito. Não naquela pose desafiadora do patriota “clássico”. Não. Ela cantava com um sincero amor por essa abstração estanha chamada Brasil.

Fora, Collor!

Depois de encontrar um lugarzinho ao lado de amigos que preferem se manter anônimos, vou anotando o que vejo e ouço. Os slogans estão um tanto quanto empoeirados. “Nossa bandeira jamais será vermelha!” – alguém puxa o coro. Me pergunto se já não é, mas não digo nada. Quando anunciam a presença do deputado Barichello, brinco com alguém que ele vai gritar “Fora, Collor!”. Os amigos riem por obrigação. Olho em volta e noto que o dress code não foi respeitado: as camisetas verdes e amarelas eram mais numerosas do que as pretas. Bom sinal? Os únicos uniformizados eram a claque do partido NOVO, com seu inconfundível alaranjado. No meio da multidão, ambulantes vendiam bandeiras do Brasil, bonés e camisetas.

Multidão

Aliás, usei “multidão” na frase anterior e há fotos de sobra por aí para quem quiser tirar suas próprias conclusões. Mas é aquela coisa que falei outro dia: a multidão é subjetiva. Para mim, foi mais gente do que eu esperava. Além disso, é preciso levar em conta que não só o Movimento Brasil Livre retirou a convocação para o ato (não gosto de usar “o ato”; parece outra coisa) como o ex-presidente Jair Bolsonaro falou para as pessoas ficarem em casa assistindo à CPMI. Complicado...

Mendigo

Um mendigo para lá de Bagdá atravessou a multidão dizendo que não adiantava ficar chorando, que agora é Lula, p%$#a. Não foi importunado. Outro mendigo se aproximou de uma amiga para explicar a ela que “a única bandeira do mundo que tem 'ordem e progresso' escrito é a nossa”. Não sei por que estou contando isso.

Fora, Zanin!

Mais cantos de guerra. O “Fora, Zanin!” é um dos que mais empolga. Os discursos se sucedem e, um depois do outro, os oradores insistem na ideia de que “a única coisa de que político tem medo é gente na rua”. Mas será que ainda é assim? Desconfio que não, mas é melhor ficar quieto. Aliás, uma coisa que chamou minha atenção foi a autocensura a que se submeteram as pessoas que falaram ao microfone. O medo do STF era evidente.

Frouxo

“A direita só tem frouxo”, diz uma mulher ao meu lado. Sobram críticas também à ausência mais notável da tarde: Sergio Moro. Por falar em críticas, o que é isso que ouço agora? Seriam vaias? Sim, eram vaias para o senador Oriovisto. Que, tentando ser sensato para uma plateia indignada, disse que a luta a ser lutada era algo para muitos e muitos anos. As vaias obrigaram o próximo orador a clamar pela união da direita. E dá-lhe gritos de “Direita/Unida/Jamais Será Vencida”.

Ao contrário de Oriovisto, o caricato Deputado Sargento Fahur foi recebido com entusiasmo. Ao menos pelas pessoas ali no meu entorno. Fahur falou em “dar o sangue pela liberdade”. Só faltou dizer quem está disposto a ser o primeiro mártir.

16h32

Às 16h32 (caso alguém queira fazer o mapa astral do evento), Deltan Dallagnol começou a falar. Disse que vai trabalhar para que a dedicação daqueles que estavam presentes não fosse em vão. Que vai lutar até o fim. Quando, porém, Dallagnol disse que “achavam que era impossível colocar os poderosos corruptos na cadeia, mas nós colocamos”, alguém gritou que agora o poderoso e corrupto-mor estava na Presidência. Eita! “Nós fizemos o impossível acontecer”, disse Deltan, alheio ao princípio de discussão ali perto de onde eu estava.

“Lutar e perder não é vergonhoso. Vergonhoso é não lutar pelo que acreditamos”, disse Dallagnol. Nesse momento, por algum motivo me veio à mente a imagem de Juan Guaidó. Tratado por alguém no carro de som como “um dos heróis dos nossos dias”, Deltan encerrou o discurso dizendo que fazia tudo por amor a Deus e às pessoas.

MBL

Começou o Hino Nacional e a multidão se dispersou. Eu também já voltava para casa quando, atrás do carro de som, vi umas pessoas escrevendo coisas em cartazes. Fui ver qualé e era o MBL participando discretamente da manifestação.

A senhorinha

Qualquer cinismo que possa ter se apoderado de mim ao longo das quase duas horas em que fiquei de pé ouvindo palavras de ordem que hoje me soam inócuas se esvaiu ao ver uma senhorinha cantado o Hino Nacional com a mão no peito. Não naquela pose desafiadora do patriota “clássico”. Não. Ela cantava com um sincero amor por essa abstração estanha chamada Brasil.

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