O poeta Manuel Bandeira, num dos momentos de desconsolo que lhe eram tristemente comuns, escreveu aquele que talvez seja o verso mais fatalista da língua portuguesa. O veredito de que “as almas são incomunicáveis” ganha, hoje, com todo o ruído das redes sociais e o ímpeto revolucionário dos jovens criados na segurança e abundância, uma dimensão maior. Soa quase como uma confissão de derrota, quando não um chamado para a reflexão silenciosa e resignada.
As imagens das igrejas incendiadas pela extrema-esquerda, pelos ultrarrevolucionários no Chile despertam, num primeiro momento, a onipresente revolta, que lentamente recua e dá lugar à pergunta imemorial: por quê? Para encontrar alguma resposta, é preciso abrir caminho pela multidão piromaníaca, prender a respiração para não aspirar a fumaça, desviar de santos reduzidos a escombros e, por fim, encontrar no meio da igreja ela, a jovem que, entre chamas infernais, celebra seu triunfo.
Contra o fogo e de máscara, é impossível identificá-la. Dificuldade agravada porque ela, a revolucionária, provavelmente não se vê como indivíduo. Ela é toda causa. Sua pele é causa, seu gênero é causa, os pelos de sua axila são causa. Sua roupa é causa, assim como seus cabelos, o tecido adiposo ao redor de sua cintura e seu gesto de triunfo diabólico. Seu intelecto é causa e sua alma, para que não reste dúvidas, é causa.
Ela que se regozija em meio às chamas deve ter aprendido desde pequenininha a odiar tudo o que a cerca. Talvez seus pais lessem para ela os poemas cheios de pieguice marxista de Neruda. Quem sabe lhe disseram que o Chile de Allende seria tão perfeito quanto o Reino dos Céus. Soma-se a isso umas desilusões amorosas, um chefe mal humorado num emprego mal remunerado, a necessidade desesperada de ser aceita por um grupo qualquer, nem que seja por um grupo de baderneiros escravizados pelo apego à juventude.
Destituída da individualidade, da qual abdicou por esses e outros motivos insondáveis, restou a ela destruir a única ponte a ligar o ser humano ao Mistério que atende por vários nomes. Ela faz isso porque tem mesmo fé no materialismo histórico que os profetas laicos travestidos de professores alardeiam como solução para todos os problemas do mundo. Uma vez purificada no fogo sacrílego, ela se olha no espelho e se vê como uma heroína improvável que lutou “do lado certo” da batalha pela alma de todos, todas e todes.
Mais importante: no futuro, velha e cansada, cercada por seus netes não-binários e depois de eliminar todos os grupos considerados opressores, num mundo sem família, fronteiras e religião, ela verá a foto emoldurada na parede e dirá, toda envaidecida: “eu mudei o mundo”. E ninguém questionará sua evidente senilidade da anciã revolucionária, uma demência cultivada desde a infância e na juventude adubada com o chorume de privilégios e narcisismo característicos de toda uma geração.
É, Bandeira, as almas são mesmo às vezes incomunicáveis. E, como neste dia me falta imaginação para entrar nesse labirinto escuro e cheio de certezas macabras que é a mente da militante feminista anticristã, me contento em olhar para a foto e rir (sim, rir!), sabendo que o fogo que destruiu as duas igrejas no Chile não é o fogo que destruirá a Igreja, muito menos os pilares sobre os quais ela foi erguida.
E que a redenção prometida pelo homem pregado na cruz hoje maculada pela arrogância política dos militantes é muito mais poderosa do que a birrinha infantil de qualquer incendiária.
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