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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

Óbvio

Fracasso do 1º de maio revela o óbvio: Lula se tornou um zero à esquerda

LULA 1 MAIO
Lula no 1o de maio mais fracassado da história: se duvidar, tinha mais gente no palanque do que na plateia. (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

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Tenho dificuldade com o óbvio. O óbvio me irrita. O óbvio me incomoda. Porque o óbvio é óbvio, e não entendo por que alguém se daria ao trabalho de esfregar na minha cara algo que meus olhos já enxergam. Ainda assim, dizer o óbvio é obviamente necessário. Nem que seja de vez em quando. Nem que seja para percebermos que não estamos sozinhos. Nem que seja para termos certeza de que não estamos loucos diante do óbvio que uns poucos insistem em negar. Neste caso, o óbvio de que Lula se tornou um zero à esquerda.

Sinal disso, sinal óbvio, foi o fracasso do 1º de Maio – tradicional festerê de pelego no qual Lula e sua turma costumavam se esbaldar prometendo mundos & fundos ao operariado que se achava oprimido pela burguesia malvada. E talvez fosse mesmo, mas isso não vem ao caso. O fato é que, passadas algumas décadas e vários escândalos de corrupção mais tarde, neste 1º de maio de 2024 deu para contar nos dedos das mãos do Lula os que acharam que valia a pena sair de casa num feriado para demonstrar apoio àquele que só uma imprensa viciada em irrealidade insiste em considerar um “líder popular”.

Por isso insisto em dizer o óbvio: ao se recusar a manter contato com o povo, insistindo na intermediação bajuladora dos bajuladores (óbvio!) de plantão, Lula se tornou um zero à esquerda. E eu que achava que o ponto mais baixo na carreira política de Lula tinha sido a prisão. Que nada! O ponto mais baixo é este que estamos testemunhando. Afinal, na prisão Lula contava ao menos com o consolo do fanatismo daqueles que enfrentaram o frio das manhãs curitibanas para gritar “Bom dia, presidente Lula!”.

Cansaço ou falta de mortadela

Agora não. Agora o fanatismo minguou. Não sei se por uma espécie de cansaço político-existencial ou por falta de mortadela, mas minguou. E, diante dessa realidade que não é exatamente nova, o que fez o ex-grande mobilizador das massas? Será que ele levou a mão à testa e pensou que talvez quem sabe possa estar fazendo algo de errado? Que talvez quem sabe Miriam Leitão e Reinaldo Azevedo não sejam as vozes mais sensatas deste país? Que talvez quem sabe esteja na hora de deixar de ouvir os puxa-sacos e encarar um avião de carreira ou um passeio pelas ruas?

Faz-me rir. Apaixonado que é por si mesmo e incapaz de se ver reduzido à mediocridade de suas palavras e atitudes, Lula resolveu culpar a burocracia, personificando-a num aspone qualquer. Isso mesmo. Lula botou a culpa em Márcio Macêdo, que até a conclusão deste texto ainda era ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, mas que talvez a esta hora já não seja mais. “O ato foi mal convocado”, disse Lula, incapaz de enxergar uma paisagem de solidão muito mais profunda e triste do que o cimento do estacionamento da Arena Itaquera.

Lula não aprende. Não enxerga o óbvio. Talvez porque não haja alguém para lhe descortinar esse óbvio: Lula não é mais amado como foi um dia. E foi e teve gente aqui que já votou nele que eu sei. Lula não representa mais aquela esperança sem medo de se-er, sem medo de se-er, sem medo de ser feliz. Nem para os mais revolucionários da esquerda Lula representa uma possibilidade de ruptura. Se Lula deixou de ser uma pessoa para se tornar uma ideia, como ele mesmo já disse, só pode ser a ideia de que, diante de uma moralidade impossível de ser restaurada, só resta nos locupletarmos todos – como disse o Millôr ou o Sérgio Porto, não sei.

Carteira de trabalho

“Mas ele não é o Presidente do Brasil?!”, me pergunta alguém, questionando o óbvio e ficando na ponta dos pés para enfatizar que Lula é presidente com pê maiúsculo. “Ele não foi eleito com 60 milhões de votos?”, me pergunta outro, sibilando os esses de sessenta e me encharcando com uma rajada de perdigotos. Aí é que está o busílis óbvio: o fracasso do 1º de maio escancara a ilegitimidade de um governante sem povo.

Sim, Lula é o presidente do Brasil. É o que diz na “carteira de trabalho” dele. Aquela assinada pelo TSE, que fez das tripas coração para dar uma demão de verniz de legitimidade nos míticos 60 milhões de votos. Também é o que dirão os livros de história – que não passam de divertidas coletâneas de obviedades. Mas.

Mas há uma diferença entre poder distribuir verbas para o Congresso, frequentar jantares com os ministros do STF, poder ligar para o Haddad no meio da noite, dizendo: “Gasta! Gasta! Gasta!”, morar no Palácio do Alvorada, viajar para lá e para cá com a Janja, e ser de fato um líder capaz de ajudar o país a ser mais próspero, pacífico e feliz. Mas isso você já sabe, é óbvio e nem sei por que estou me dando ao trabalho de repetir.

Uma última obviedade

Antes de publicar este texto, me ocorreu uma obviedade digna de registro. É a última do dia, prometo: Lula vai passar. E quando falo “Lula” me refiro ao personagem e tudo o que ele representa. Vai passar e não vai demorar. A gente só precisa de um pouco mais de de paciência, óbvio.

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