Escrever sobre o terrorismo islâmico e associá-lo a uma estranha visão de mundo que, apesar do discurso prafrentex, prefere uma doutrina que determina que homossexuais sejam mortos, mulheres adúlteras sejam apedrejadas e infiéis sejam degolados é óbvio demais. Você vai ler isso aos montes por aí - e não há nada de mau nisso. Até porque é preciso reforçar essa curiosa afinidade eletiva, investigá-la e até se indignar com ela.
Também seria fácil falar da ironia histórica que é ver a França, berço do Iluminismo, sucumbir à barbárie de outro ismo, o do terror que corta as cabeças das pessoas em nome de Alá. Menos fácil é explorar a relação entre uma coisa e outra, mas nada impossível. Michel Houellebecq fez bem isso em seu romance satírico Submissão. Aliás, nada mais fácil do que, em meio a notícias de ataques de terroristas islâmicos na França, evocar Houellebecq e seu Submissão.
Fácil e irresistível. Porque, se por um lado Submissão padece do que chamei recentemente de croniquificação do romance, tratando de temas muito próximos do presente e sem aspirar muito à imortalidade, por outro ele consegue expressar toda a sutileza da qual o islamismo faz uso para dominar uma sociedade - no caso, a francesa. Sutileza que, paradoxalmente, inclui a explosão de uma bomba aqui e uma decapitação acolá.
É. Não adianta. Mesmo sendo óbvio, vou ter que dizer. O islamismo se apropria de um valor muito caro ao Ocidente judaico-cristão, a tolerância, para impor sua doutrina baseada na submissão – o que pressupõe uma relação de força entre Alá, opressor, e fiel, voluntariamente oprimido. É um problema incontornável, porque de um lado há toda uma tradição baseada no princípio da misericórdia e do perdão. Do outro, a tradição fala em "guerra santa", punição e danação.
Menos óbvio é o voluntarismo com que parte da inteligência se submete aos Islã, ainda que informalmente. Há explicações possíveis para isso. Há quem fale numa espécie de birra iluminista em relação à cultura cristã. Algo como “o islamismo é ruim, mas é melhor do que o que temos hoje”. Outros, como o próprio Houellebecq, veem na sujeição dos intelectuais ao islamismo apenas uma conjunção de interesses muito pequenos e muito mundanos.
A promessa de revolução do islamismo, ainda que seja uma “revolução para trás”, seduz tanto quanto qualquer ideologia secular extremista. Tanto quanto qualquer peste. Porque, assim como a peste e os regimes políticos assassinos, o Islã promete refundar a sociedade, substituindo os valores vigente por outros que, apesar de caquéticos, são outros. Não há consequência neste raciocínio. O que importa, num primeiro momento, é apenas o desejo de apertar o botão “reset” da civilização.
Isso sem falar na “terceirização da responsabilidade” que o islamismo, em sua faceta mais extrema, usa para conquistar esses guerreiros covardes capazes de cortar a cabeça de uma pessoa que não estava fazendo mal a ninguém. É uma característica bastante semelhante às promessas da religião secular do socialismo, na qual a submissão à vontade do grupo isenta o indivíduo das consequências morais de seus atos. Mata-se em nome de Alá, assim como se mata em nome do proletariado, do feminismo, das causas identitárias.
De uma forma ou de outra, tudo isso está em Submissão, de Michel Houellebecq. E é deveras assustador, ainda que não surpreendente. O escritor francês, contudo, consegue no romance algo que não consegui nem tentei neste texto: extrair algum humor dessa tragédia toda. E Houellebecq só faz isso porque, em sua obra, abdica da imortalidade e, se mira o futuro, é com a resignação sábia de quem se reconhece herdeiro livre de toda essa cultura de tolerância e aceitação. Mas só por enquanto.
Congresso fecha lista do “imposto do pecado”; veja o que terá sobretaxa e o que escapou
Saiba como votou cada deputado na regulamentação da reforma tributária
Briga com Congresso por verbas do Orçamento revela governo sem margem de manobra
Tarcísio anuncia advogado filiado ao PT como novo ouvidor da Segurança Pública em São Paulo
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS