Esquerda hipocritamente chama de covardia fuga de Olavo de Carvalho. Mas você também não fugiria se se sentisse perseguido pelo Togaquistão?| Foto: Rodolfo Buhrer/ Arquivo Gazeta do Povo
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Em 1964, logo depois do Golpe Militar, Leonel Brizola fugiu do Brasil. Reza a lenda que ele se vestiu de mulher para atravessar sorrateiramente a fronteira com o Uruguai. No mesmo ano, o futuro ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, indiciado num inquérito policial-militar, se empirulitou para o Chile. Chico Buarque exilou-se em Roma – porque ele é chique.

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Ao contrário desses nomes, que corriam de fato perigo nas mãos de uns poucos militares sádicos, militantes da extrema-esquerda contemporânea, como Jean Wylllys e Márcia Tiburi, foram embora do país assustados pela fantasia de um fascismo que só existe na cabecinha cheia de arco-íris dele e de vento dela. Há quem os veja como heróis da resistência que recriaram uma narrativa autoritária só pro meu prazer, só pro meu prazer. (Pescou?)

Os primeiros correram riscos. A ditadura militar (ou revolução gloriosa ou contrarrevolução - chame como quiser) torturou e matou. E, sim, eu sei que nem Brizola nem muitos dos que foram mortos ou torturados pela ditadura queriam democracia e liberdade. Sei que eles queriam outra ditadura, ainda mais sádica, a do proletariado. Já os corajosos Wyllys e Tiburi só correram mesmo o risco de quebrar a unha na primeira classe da Air France.

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Entra (ou sai?) Olavo de Carvalho

Onde entra Olavo de Carvalho nisso tudo, você deve estar se perguntando. O filósofo, tratado com deboche pelo termo “guru do bolsonarismo”, saiu do Brasil às pressas, depois de passar muito tempo internado e depois de ser intimado pela Polícia Federal no inquérito ilegal que apura a existência de (respire fundo, porque as palavras a seguir fedem) uma milícia digital que atua para desacreditar a democracia e as instituições brasileiras.

A notícia da fuga para o exílio nos Estados Unidos deixou a esquerda hipócrita em polvorosa. Houve quem chamasse Olavo de Carvalho de covarde por se recusar a prestar depoimento num inquérito ilegal. Será que chamariam Brizola, FHC ou Chico Buarque de covardes? Será que diriam que eles "não aguentaram o tranco da ditadura"?

Em momentos de ruptura, seja ela escancarada ou furtiva, como agora, fugir das forças de repressão do Estado sempre esteve no horizonte dos aspirantes a revolucionários, independentemente da matiz ideológica. Pior: houve quem, na cara dura e com a chancela do selinho azul do Twitter, acusasse o ministro Fábio Faria (mas não fez) de contrabandear o filósofo a bordo de um avião da Força Aérea. Uma acusação grave e falsa de... uma milícia digital que atua para desacreditar a democracia e as instituições brasileiras – escreveria uma pena mais ácida.

Aos 74 anos, e com a saúde debilitada, Olavo de Carvalho corria riscos. Quem garante que uma otoridade não inventaria ali, na hora do depoimento, um crime para enquadrar o filósofo, impondo-lhe alguma medida restritiva de liberdade? Afinal, loucos, sádicos e puxa-sacos de ministro do STF existem aos montes por aí. Alguns são até celebridades.

O fato de qualquer pessoa minimamente alfabetizada saber que a Constituição não permite prisões arbitrárias não significa absolutamente nada no Togaquistão onde vivemos. Por aqui, há muito a Constituição não basta para garantir as liberdades individuais. Sobretudo de pessoas que, por coincidência, tendem à direita. Uns se dizem conservadores – embora a comunidade conservadora os veja com um pé bem lá atrás. Outros são francamente reacionários – e qual a dificuldade em aceitar que em todas as sociedades sempre houve pessoas que veem qualquer sinal de progresso como ameaça e, por isso, reagem a ele? Se a reação não for violenta (e geralmente não é, a não ser que a bengala seja de aço), não faz nem cócegas na Dona Democracia.

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Esquerda-marmita-de-camarão

O escândalo, nessa história, não é a “fuga” nada espetaculosa de Olavo de Carvalho, primeiro para o Paraguai e, de lá, para aquela terra onde as liberdades ainda são minimamente respeitadas. O escândalo dessa história é o inquérito ilegal conduzido por um ministro da Suprema Corte e que pretende instituir o crime de opinião no Brasil. Um inquérito aberto com o fim específico de perseguir uns velhinhos inofensivos, como se eles fossem capazes de liderar as massas num golpe exitoso contra uma pobre donzela indefesa chamada Democracia.

Novidade não menos escandalosa é o apoio da nova intelligentsia, formada por jornalistas, publicitários e influencers, aos órgãos de repressão estatal. Grosso modo, na ditadura a esquerda-caviar se uniu à direita esclarecida contra as arbitrariedades do regime. Vai lá ver se Nelson Rodrigues apoiava o que Brilhante Ustra e outras bestas fardadas faziam. Claro que não!

A esquerda-marmita-de-camarão de hoje, contudo, aplaude e incentiva as ações políticas do STF. “Todo poder a Alexandre, o Calvo!”, ruminam eles (como alguém exclama ruminando eu não sei), certos de que estão sendo guiados por um déspota esclarecido & suas vênias amestradas. Certos de que estão acobertados pela “racionalidade da lei”. Certos de que são guerreiros cuja missão é eliminar esses velhinhos (ou marombeiros, no caso de Daniel Silveira) defensores da tradição, Pátria, família e propriedade. Nem que para isso tenham de usar a censura, a intimidação e sobretudo a mentira.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]