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Polzonoff

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"Para nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.

Guerra contra palavras: ninguém mais aguenta uma nhaca dessas

Um cenário como esse, da Ilha de Inhaca, é capaz de deixar os progressistas hipersensíveis de cabelos em pé. (Foto: Bigstock)

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Diante de mais um rol de palavras proibidas, discutíamos o absurdo e ridículo de listas arbitrárias e ilógicas como essa. Lá estavam os suspeitos de sempre, como “criado mudo” (destituído do hífen que lhe conferia alguma dignidade) e “nega maluca”. E eu diria agora que, como a lista a que me refiro foi elaborada por estudantes de jornalismo desde cedo instruídos nas virtudes da autocastração progressista, a coisa tá preta. Mas a expressão também consta desse Index Palabrorum Prohibitorum.

A novidade, para mim, foi a inclusão na lista da palavra “nhaca”. Que eu nem sabia que era exatamente uma palavra. Para mim, “nhaca” sempre soou como uma onomatopeia. Como o som que a gente faz ao regurgitar diante de algo tão repugnante quanto uma lista de palavras e expressões que uns iluminadinhos decidiram considerar ofensivas.

Pois bem. Agora você está sabendo que, se falar “nhaca” perto de um negro, há de ser repreendido. Por quê? Boa pergunta. A explicação que recebi e reproduzo diz que “nhaca” vem de Inhaca, que é o nome de uma ilha de Moçambique. Ilha que, por sua vez, abriga um povo qualquer que fala uma língua qualquer na qual “nhaca” significa “fétido”.

Sim, a lógica também me escapa neste caso. Mas não só neste. A lógica de qualquer ofensa proveniente de uma palavra que não tenha sido cunhada com o objetivo expresso de ofender me escapa. Veja o caso de “denegrir”, por exemplo. “Denegrir” significa “macular, manchar”. E qualquer pessoa sabe que é possível macular uma roupa nova, seja ela branca ou não, de vermelho-vinho, amarelo-manga, azul-mirtilo ou verde-grama. Ainda assim, por algum motivo denegrir o verbo “denegrir” virou uma questão de honra para os chamados antirracistas.

"Dor histórica"

Me pergunto, sinceramente curioso, que tipo de efeito uma palavra dita assim ao acaso, no meio de uma frase absolutamente inócua, causa na psique de uma pessoa a ponto de ela exigir que a palavra seja banida dos dicionários. Será que ao ouvir/ler a palavra “denegrir” a pessoa tem uma queda súbita no nível de serotonina? Será que, no espaço entre o “de” e o “grir”, a pessoa sente assim de uma forma meio mística todo o peso da escravidão?

A mesma coisa serve para palavras e expressões acusadas de sexismo, homofobia e gordofobia. E até para as palavras terminadas em “a” ou “o”, que cometem diariamente o horrível pecado de se identificar com um ou outro sexo. Será que a pessoa trans se sente assim ferida de morte ao ser chamada de “amigo” ou “amiga”, a ponto de se fixar na desinência de gênero, e não no sentido mais profundo da palavra?

Para você é fácil falar assim!, apontará o dedo alguém. Afinal, sou homem branco, hétero, cis, etc. Uma espécie de “inimigo por definição e excelência”. Mas sou mesmo? Será que não tenho também meu quinhãozinho de minoria oprimida pelas palavras cruéis? Ora, se eu quisesse me fazer de vítima, abrir o berreiro e jogar o dicionário pela janela, bem que poderia me engajar numa cruzada contra a palavra “careca”. Afinal, a deficiência capilar já me rendeu um bocado de constrangimento. Se eu não tivesse noção do ridículo, diria que causou até sofrimento.

Fico aqui me perguntando se a “dor histórica” provocada até mesmo por palavras fortes que já foram proscritas, como a “n-word” do inglês, não é um sintoma da incapacidade de a pessoa se aceitar como tal, seja ela branca, negra, cis, tras, homem, mulher, cabeludo ou careca. Isto é, se essa busca pelo léxico puro não tem em si um bocado de auto-ódio, como diziam os acadêmicos do meu tempo.

Quirera com iogurte aos burros

Digo tudo isso para sugerir aos ofendidos, ofendidas e ofendides por este texto que façam um exame de consciência. É rápido e simples. Mas não garanto que seja indolor. O exame de consciência se resume a uma pergunta daquelas que é melhor fazer em silêncio, de si para si, antes de dormir: para além da exaltação da própria virtude, do vitimismo e de certa pulsão de morte, o que o faz querer mandar algumas palavras para o paredão?

E mais: será que combater palavras, além de ser quixotescamente patético, não tem como consequência o fortalecimento do seu inimigo, por mais imaginário que ele seja? Quero dizer, demonstrar tamanha fragilidade diante de um “criado mudo”, de uma “nega maluca”, de uma “nhaca” não é dar ao outro, que você considera opressor, ainda mais poder sobre sua personalidade frágil?

E não me leve a mal. Há palavras que também me ofendem, mas por motivos que nada têm a ver com minha identidade ou meu adormecido desejo de melhorar o mundo para além do que me é possível. “Iogurte”, por exemplo, é uma palavra que desperta meus instintos mais primitivos “Quirera” é outra, porque me lembra minha falecida avó. Ou ainda “burro”, por motivos óbvios.

Mas nem por isso saio por aí incendiando metaforicamente restaurantes que servem, sei lá, quirera com iogurte aos burros. Afinal, são só palavras que servem a propósitos distintos e às vezes inusitados. E, no mais, o mundo não é responsável pelos traumas que o divã não curou, bem como por minhas eventuais suscetibilidades políticas.

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