Ainda tentei argumentar. Tentei usar a lógica jurídica que aprendi na escola e na vida. Devido processo legal. Direito à ampla defesa. Usei argumentos que de tão óbvios chegam a ser ridículos. De nada adiantou. Porque no Brasil daquele tempo não havia mais lei. Nem lógica. O que prevalecia era a vontade de um único homem: Herr Alexander von Moreich. Que contava com a ajuda da PF para investigar e punir exemplarmente quem lhe desobedecesse.
Foi o que aconteceu naquele dia, 19 de setembro de 20**. Devidamente caracterizados como “extremistas de direita”, como exigia a lei, eu e meus amigos saímos para tomar uma cerveja no único bar da cidade que ainda aceitava a presença de indesejados como nós. Apesar da tirania evidente e das ameaças que nos cercavam, estávamos cheios de uma alegria que... Sinceramente, não sei explicar. Só por Deus mesmo.
Piu
Sentamos. Pedimos nossos chopes e, enquanto isso, conversávamos sobre um futuro cuja improbabilidade se tornou mais improvável ainda depois que dois oficiais da Peéfe, a milícia alexandrina, irromperam no salão. Houve gritaria entre os demais clientes, todos devidamente identificados como “extremistas de direita”, como mandava a lei. Aos gritos de “gado!”, “negacionistas!”, “bolsonaristas!” e “antidemocráticos!”, os oficiais foram abrindo caminho pela multidão. Até chegarem à nossa mesa.
“Quem de vocês é Landung Verbundenaus?”, perguntou o oficial. Ao ouvir meu nome, por um instante esqueci que era a mim que ele se referia. Até que lentamente ergui a mão. O oficial fez um sinal para o outro e ambos vieram em minha direção e me seguraram como se eu estivesse prestes a detonar explosivos ou gritar “Nieder mit Moreich!” [acertei o alemão?]. Devidamente algemado, e como se além do nome tivesse me esquecido de quem eu era, perguntei por que estava sendo preso. “Piu”, disse um dos oficiais – e eu entendi.
O oficial riu, os amigos riram, os curiosos riram e até minha mulher riu antes de esticar o dedo em minha direção e dizer: “Eu te avisei!”.
“Foi só um meme”
Fui levado ao batalhão. Com as mãos e os pés algemados, e a boca hermeticamente vedada, me sentia um canibal-de-cinema transportado não até uma cela, e sim um pátio onde uma multidão de criminosos perigosíssimos como eu, todos devidamente caracterizados como “extremistas de direita”, como ditava a lei, esperavam para serem fichados, presos e irremediavelmente condenados.
Uma vez livre das algemas e da mordaça, recebi um humilhante chute no traseiro e desabei sobre um prisioneiro que, aos prantos e soluços, tentava me (me!) explicar que tinha sido só um meme, só isso, que não queria o mal para Herr Alexander von Moreich nem nada. Sem saber o que responder, fiquei ali, meneando a cabeça e pensando nos meus muitos crimes até ouvir chamar meu nome novamente.
“Você está preso pelo crime de tuitar. Algo a declarar sobre isso?”, perguntou um funcionário entediado louco para ir para casa e alheio ao mecanismo perverso de que fazia parte. Nessa hora, tentei argumentar. Tentei usar a lógica jurídica. Usei argumentos que de tão óbvios chegavam a ser ridículos. Disse que não era parte no processo e que nunca fui intimado. Disse que o Twitter continuou disponível alguns dias depois da decisão de Herr Moreich. Disse que havia publicações agendadas. Disse e disse e disse.
Condenado
De nada adiantou. Com enfado, o funcionário me olhou e disse que eu era um extremista de direita, um fanático cristão, um golpista, um fascista, um racista, um hétero opressor, um cronista antidemocrático e um terrorista literário. Não eram xingamentos; aquilo fazia parte do protocolo. Para Herr Alexander von Moreich, aquelas eram as minhas identidades; era isso o que me tornava inimigo de um Estado por ele impulsionado à perfeição.
O carimbo marcou o papel para sempre: condenado. Ao pagamento de multa. À prisão. Ao degredo. À indigência intelectual. À tortura. E principalmente à humilhação de entrar para a famigerada história do regime alexandrino não como um grande membro da resistência ou um herói, e sim como uma vítima de uma insanidade irrefreável, perpetrada por loucos que juram estar defendendo a democracia.
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