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Voto ponderado, Partido do Contra, e sistema de voto e antivoto: como é que ninguém pensou nisso antes? A democracia agradece.
Voto ponderado, Partido do Contra, e sistema de voto e antivoto: como é que ninguém pensou nisso antes? A democracia agradece.| Foto: Elza Fiuza /Agência Brasil

“Estapafúrdio” é um adjetivo mal compreendido. Ele significa extravagante, único, peculiar, estranho. Mas acho que, pela sonoridade mesmo, associamos tudo o que é estapafúrdio à estupidez. Afinal, só loucos tolos proporiam algo que fosse capaz de mudar algo tão fundamentalmente errado quanto o sistema eleitoral vigente na maioria das democracias.

Em se tratando de eleições, vale a estranha máxima de que não se mexe em time que leva goleada rodada após rodada. E esse conservadorismo todo não tem exatamente a ver com a manutenção da tradição. Tem mais a ver mesmo em manter a confusão que beneficia uns e prejudica muitos desde um grego (outro que não Arquimedes) saiu de toga à rua gritando “eureca!” ao inventar a democracia.

Não que eu acredite que as ideias aqui expostas sejam boas ou capazes de revolucionar a democracia. Na verdade, é bem possível que elas tumultuem ainda mais essa coisa simplíssima de voto e urna e distrito e colégio e coeficiente eleitoral. Mas as exponho aqui como se fosse um escriba egípcio todo revoltadinho desenhando escaravelhos e serpentes num canto das pirâmides, na esperança de ver sua revolta engraçadinha admirada pela eternidade. Ou coisa assim.

Voto ponderado

A primeira ideia estapafúrdia vem do meu querido amigo e escritor Sérgio Rodrigues e foi exposta num livro muito bom, intitulado As Sementes de Flowerville. Se me lembro bem, é logo nas primeiras páginas que ele expõe sua ideia de ultrademocracia capaz de mudar tudo isso que está aí – e mais um pouco.

Para que não haja dúvidas, a ideia não é exatamente de Sérgio Rodrigues, e sim de um personagem. Se é que me lembro bem. E o que ele propõe é um sistema incrível, capaz de atribuir pontos de inteligência aos eleitores, de modo que seus votos tenham pesos diferentes de acordo com o nível de escolaridade, experiência de vida, dinheiro investido e poupado, patrimônio e até refinamento cultural – ou ausência de.

Dessa forma, o voto do seu João, um pedreiro simples e analfabeto cujo único sonho é um barquinho, uma tapera na beira de um lago e um estoque eterno de cerveja para ele poder pescar até o fim dos seus dias não teria o mesmo valor que o voto de um advogado poliglota cujo sonho é transformar o sistema por dentro, acabar com a desigualdade social, desmascarar de uma vez por todos a farsa da meritocracia e, de quebra, impedir o aquecimento global.

E, assim, exigir do seu João autorização estatal para pescar, enquanto vive numa tapera sustentável e bebe cerveja vegana. Mesmo contra a vontade dele.

Partido do contra

A segunda ideia é mais simples, mas não menos eficiente. E, tenho certeza, há de encontrar seus adeptos. Ela foi sugerida por um amigo que vou manter no anonimato, porque ele é raivoso e fã de heavy metal e eu tenho medo de quem, em pleno século XXI, faz música de protesto com no máximo dois acordes rimando bolso com calabouço . E também porque não sei se ele assumiria a paternidade de ideia tão estapafúrdia.

Pois num dia qualquer saí com este meu amigo para beber uma cerveja e ele, lá pelo 15º ou 23º copo, levantou-se no meio do estabelecimento de cavalheiros, pediu silêncio e anunciou a criação de um sistema eleitoral distinto para cada um dos poderes. Dessa forma, haveria o Partido Legislativo, o Partido Executivo e o Partido Judiciário. O Partido Legislativo seria, necessariamente, de oposição ao Partido Executivo – uma espécie de Partido do Contra. E seus membros estariam proibidos, por toda a Eternidade, a se candidatar a cargos do Executivo.

E o Partido Judiciário?, você deve estar se perguntando. Não tenho a menor ideia do que meu amigo pretendia fazer com os aspirantes à toga. Mas duvido que fosse coisa boa e publicável neste horário.

Voto e antivoto

Por fim, temos o estapafúrdio sistema do Voto e Antivoto (patente pendente), criado por outro amigo meu. E, se a essa altura você está se perguntando como posso ter amigos tão inteligentes, respondo que, sei lá, meu, vai ver é um dom. Ou karma.

Pois esse meu amigo, cujo nome manterei em segredo também, a solução perfeita para evitar que o eleitorado opte por candidatos extremistas à direita e à esquerda é o sistema batizado de AAVE (Anulação Automática do Voto Extremista). Apesar do nome, ou justamente por causa dele, o sistema é bem simples: o eleitor vai à urna para votar duas vezes, em quem ele quer eleger e no candidato que ele não quer ver eleito de jeito nenhum. Assim, o voto do apoiador de um fanático de direita é imediatamente anulado pelo voto do apoiador de um fanático de esquerda.

Dessa forma, se o Fulano do Partido Extremista X for adorado por 50 milhões de pessoas, mas odiado por outro 50 milhões, ele terá um total de 0 voto na eleição. Neste caso, portanto, em vez de seduzir o eleitor com promessas exageradas e retórica violenta, isto é, com populismo, o candidato teria de se esforçar também para ser o menos rejeitado. Do contrário, sua popularidade positiva seria automaticamente anulada por sua popularidade negativa.

É. Eu sei que, aí do outro lado da telinha do computador ou celular, você está se perguntando “como é que ninguém pensou nisso antes?!” Ao que só me resta responder, com toda a humildade do mundo: de nada.

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