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Quando li a notícia da execução de três médicos no Rio de Janeiro, achei estranho. Mas não muito. Acostumado que estou com os absurdos cotidianos desta terra, logo tratei de me concentrar no café da manhã ao lado da minha digníssima esposa e da Catota. Para, quem sabe, me esquecer da brevidade da vida e da crueldade que me cerca. Assim, me ocupei do Nobel de Literatura até ficar sabendo que um dos médicos executados era irmão da deputada federal Sâmia Bomfim. Aquela do PSOL. Aquela.
Como era de se prever, não demorou para transformarem o assassinato de um ser humano em motivo de disputa política. Teve esquerdista correndo para tirar uma casquinha da tragédia, dizendo que “o fascismo não prevalecerá no Brasil” – sugerindo que a violência tinha lado e era “de direita”. Por outro lado, teve fariseu direitista reagindo com o tradicional “bem feito” e outras formas menos sutis de insulto – sempre fazendo referência à histórica bandidolatria dos partidos de esquerda, inclusive o PSOL da deputada enlutada.
Antevendo a enxurrada de chorume, saí das redes sociais e me recolhi à insignificância do meu trabalho. Buscava inspiração para escrever sobre o fenômeno “O Som da Liberdade” ou sobre a influência de “A Morte de Ivan Ilitch” no divórcio do casal Sandy & Lima. Mas não teve jeito. Porque em mim também o “bem feito” presunçoso, hipócrita e canalha travava uma batalha contra a compaixão, a solidariedade e a Ave Maria rezada pelo médico Diego Ralf Bomfim. Em jogo nessa disputa, a minha alma.
Se fosse o contrário
Todos os dias a política nos dá a oportunidade de exibirmos as nossas incontestáveis virtudes. Porque nos consideramos honestos, ficamos indignados com a corrupção do PT. Porque nos vemos como justos, nos revoltamos com as injustiças do STF. Porque nos orgulhamos de nossa coerência, lamentamos palavras e atos dos nossos adversários ideológicos. E porque nos consideramos vítimas da moral alheia, às vezes nos desesperamos e expressamos esse nosso desalento com perguntas como “até quando?!” e “por que estamos tendo de passar por tudo isso?”.
Com menos frequência, porém, a política também nos dá a oportunidade de nos confrontarmos com o animal irracional e feroz que nos habita. Esse monstro guiado por paixões e vícios de todos os sabores e tamanhos. É o caso agora, com o assassinato de Diego Ralf Bomfim, irmão da deputada Sâmia Bomfim, conhecida por defender a cartilha do progressismo. Aquela que inclui certa, digamos, leniência revolucionária com a criminalidade e que a direita, em maior ou menos grau, tende a abominar.
É nessas ocasiões, agora e sem demora, que nós, a direita que se define como conservadora, liberal e cristã (sobretudo cristã!), temos a chance de mostrar que somos homens direitos. Derrotados por um Sistema que nos humilha cotidianamente, sim. Mas honrados, íntegros, incorruptíveis e sobretudo virtuosos. É nessas horas que podemos mostrar que, ao contrário da esquerda, não tripudiamos do infortúnio familiar. Não somos maquiavélicos a ponto de tirar qualquer proveito político da situação. Não! Preferimos dar a outra face a nos vingarmos dos insultos e dos muitos tapas simbólicos que levamos.
Somos, e se não somos é porque há algo de muito errado com nossa formação cristã, do tipo que se solidariza - nem que seja em silêncio ou rezando uma discreta Ave Maria. Que se compadece. Que pode até sentir vontade de falar “bem feito” e de apontar a hipocrisia – mas se contém. Que se põe no lugar do outro e imagina a dor de perder um irmão. Que toma a realidade pelo que ela é: vivemos num país violento e caótico, onde a vida de um ser humano, seja ele pobre ou rico, anônimo ou famoso, mendigo ou médico, não vale nada.
Que, mesmo sabendo que se fosse o contrário Sâmia Bomfim provavelmente estaria tripudiando e tirando proveito político do crime, no mínimo presta condolências e sinceros pêsames. E que se cala, irmanado no sofrimento.