Queria falar da foto do telescópio espacial James Webb. Queria elaborar algo que rascunhei num comentário ao belo texto do Marcio Campos: o argumento de que, a despeito de todas as tentativas de ciência de provar o contrário, ainda somos especiais. E continuaremos sendo. Queria, por fim, dizer que vejo nas reações à fotografia uma contradição intrigante: em se tratando de espaço, nos sentimos insignificantes; agora, em se tratando do tempo, toda geração se acha a última bolacha do pacote universal. Queria falar tudo isso. Mas Alexandre de Moraes não deixa.
Se bem que, pensando bem, até deixa. Porque, admirando o Universo que a razão não compreende, dá para dizer, até com um punhado de poesia, que Alexandre de Moraes personifica a existência circunstancial que infla para além da racionalidade sua importância nessa semirreta melancólica a que damos o nome de “tempo”. Em outras palavras, isto é, sem poesia, Alexandre de Moraes é o nada tão autocentrado que se considera capaz de deixar uma marca mais longeva do que o Sol neste mundão de meu Deus. Em outras palavras ainda mais simples, Alexandre de Moraes se acha o tal. E talvez até o Tao.
Alexandre de Moraes que não aparece na fotografia de 4,6 bilhões de anos-luz (dizem) do telescópio, mas que tem um ego com gravidade própria, a ponto de deformar conceitos que os ingênuos achavam que eram estáveis e perenes, como os de liberdade e democracia. Alexandre de Moraes que ontem mesmo baixou o AI-13 (Alexandrismo Institucional Número 13), de acordo com o qual pessoas que se identificam como “bolsonaristas”, entre elas o filho do presidente Jair Bolsonaro, estão impedidas de divulgarem a notícia de que a facção PT e a facção PCC mantêm uma relação de, digamos, amizade com benefícios. E de que no angu de Celso Daniel ainda tem muito caroço.
Não pode. Está proibido. Tem até multa. Claro que a proibição é incapaz de apagar o conhecimento que já circula pelo éter há boas duas décadas. A ineficiência da decisão, portanto, é reflexo da bolha intelectualoide-positivista habitada pelos ministros do Supremo, que se consideram poderosos o bastante para, com uma caneta certeira, moldar o que se pensa, apagando o que é conveniente e exaltando o que é útil a seu projeto político. Sim, projeto político.
As notícias, que têm por base – veja só! – a delação premiada do mensaleiro Marcos Valério, delação essa homologada pelo – surpresa! – STF, foram consideradas sabidamente inverídicas por – não me diga! – Alexandre de Moraes. Mas, se perguntarem, ele jamais reconhecerá que está agindo em prol de um candidato (e que fique bem claro: este candidato é Lula). E virá com meia dúzia de platitudes sobre a democracia estar ameaçada pelas fake news & outros contos que só encontrarão aplausos entre os que estão cegos pela aversão ao outro candidato (e que fique bem claro: este candidato é Jair Bolsonaro).
(Ah, me cutucam aqui para avisar que não se pode falar em "candidato" ainda porque a campanha eleitoral não começou. O certo é "pré-candidato". Como se, a partir do dia 16 de agosto, quando os pré-candidatos perderem o prefixo do cinismo, alguma mágica fosse acontecer. No inalcançável universo próprio do TSE, há planetas onde chovem privilégios e que são habitados por alienígenas de desenho animado, regidos por uma lógica melancolicamente incompreensível).
Voltemos, porém, à foto que causou fascínio nos que acreditam e confirmou a descrença nos ateus. Mais do que as galáxias dispersas pelo caos, a imagem que me devolve à insignificância, tanto no espaço quanto no tempo, é a dos 11 sujeitos e sujeitas que governam uma porção (ridícula, mas ruidosa) da minha vida. Entre eles, Alexandre de Moraes. Que, se um dia se deparar com o tamanho real da sua pequenez, talvez seja capaz de vislumbrar o mal que causa. Mas quem ousa colocar diante dele um espelho honestíssimo?! Esse fel que nos irmana num estado permanente de indignação é culpa da dissimulação togada. É culpa do ministro. É de sua responsabilidade, poeira-cósmica-com-autoestima-hipertrofiada.
Que, no afã de "salvar a democracia" e "proteger as instituições", transformou o Supremo Tribunal Federal e adjacências nisso que a prudência e a pudícia me impedem de dizer o que é. Mas que digo mesmo assim: um partido de oposição a um governo democraticamente eleito, uma agremiação de semideuses que decerto não conhecem a história de Ícaro, um antro que vendeu a alma na esperança ridícula de se ver reconhecido pelo Universo – este mesmo que não está nem aí para gestos grandiloquentemente estúpidos.
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