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Esta semana, num texto em que pedia preces não-irônicas por Janja, fui enfático ao dizer que a primeira-dama não é feliz. E repito que não é, não tem a menor chance de ser. Teve gente que chiou – com razão. Afinal, quem sou eu para dizer se alguém é ou não feliz? Ninguém. Tampouco sou capaz de definir o que é essa tal de felicidade que todos buscamos. Não sou filósofo porque chatice tem limite.
Gosto de conversar
Mas gosto de conversar e por isso quero lhe dizer que faço uma distinção muito clara entre felicidade e alegria. Uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. Dá para ser feliz e não estar num dia muito alegre. Acontece. Ao mesmo tempo, dá para estar alegre e ser profundamente infeliz. É o caso da Janja, assim como já foi, em textos anteriores, o caso de Renan Calheiros, Alexandre de Moraes, Lula, Neymar e até o tal de Luva de Pedreiro.
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Frivolidade
O problema é que a alegria se tornou mero exercício de frivolidade. Não à toa, confunde-se alegria com prazer. Desse modo, não deixa de ser interessante que neste nosso tempo de depressão generalizada julguemos alegres (e felizes) os promíscuos e os imprudentes. Ou, mais comumente, aqueles que têm muito dinheiro e que acreditam, realmente acreditam, que dinheiro compra a felicidade.
Prazer, soberba e deboche
Ou seja, no imaginário popular, é alegre quem se deleita no erro, que você também pode chamar de vício ou pecado. E é aí que as coisas se complicam, porque felicidade implica paz. E é impossível ser feliz, e ter paz, quando se vive escravizado pelo vício, inclusive o vício em dinheiro, em poder e em holofotes. Daí minha ênfase na infelicidade dessas pessoas que insistem em esfregar suas alegrias frívolas em nossas caras. É prazer, é soberba, é até deboche; mas felicidade tenho absoluta certeza de que não é.
Abracadabra!
Assim como dificilmente seremos felizes se nossos sonhos políticos e ideológicos se concretizarem. Digo, ficaríamos por certo alegres se os ministros do STF perdessem o passaporte ou se Alexandre de Moraes sofresse um impeachment ou se Lula renunciasse ou se – abracadabra! – tudo mudasse de uma hora para outra a nosso favor. Mas quanto tempo duraria essa alegria? Esse prazer? Essa satisfação do que já foi desejo apenas de justiça, mas que hoje está contaminado por um mal disfarçado e muito humano desejo de vingança?
Agora eu quero ver só!
Basta ver o que aconteceu há apenas duas semanas, depois que Donald Trump venceu as eleições nos Estados Unidos. Apesar dos pesares, fiquei feliz – no sentido de alegre. Mais do que isso, fiquei esperançoso, embora não soubesse exatamente por quê. De mim para mim, disse “agora eu quero ver só!”. Como se o resultado das eleições norte-americanas fosse, de alguma forma, botar as coisas nos eixos e mostrar que, oh, eu tenho razão!
Vem-e-vai
E quanto tempo durou essa alegria que reconheço como frívola por se basear numa esperança mundana, na soberba e no desejo de vingança? Um dia. Dois, se tanto. Logo minha realidade de areia se desfez, atingida pela primeira ondinha de realidade. Por isso é tão importante saber reconhecer as alegrias e os dissabores das guerras ideológica e cultural que nos consomem. Assim como vêm, elas vão – e com essa alternância que nos enlouquece lucram aqueles que nos escravizam.
Tentações
Ao mesmo tempo, é importante (e até um alívio!) saber que nossa felicidade não depende da vitória nessas arenas externas: Lula contra Bolsonaro, esquerda contra direita, Alexandre de Moraes contra a democracia, etc. Por outra, nossa felicidade depende de nossa luta diária e íntima contra as muitas tentações de nos alegrarmos frivolamente. Essa luta que, mesmo cercados de maldade por todos os lados, insistimos em travar optando livremente por fazer o certo e o bem.
Um abraço do
Paulo
[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do primeiro parágrafo, tem um campo para isso].